“Un Funeral de Locos”, de Manuel Gómez Pereira, abraça o caos como se fosse o verdadeiro protagonista. O remake espanhol de “Death at a Funeral” pega o molde britânico e o veste com tempero ibérico, onde as piadas vêm embaladas em jamón e sangria. Comédia que reúne Quim Gutiérrez, Ernesto Alterio, Belén Rueda, Inma Cuesta e Hugo Silva, o filme aposta em ritmo frenético, portas batendo e corpos tropeçando, e o faz sem nenhum pudor em assumir que já vimos essa coreografia antes.
Pereira arma um palco de confusões digno de movida madrileña. Tudo é milimetricamente organizado para parecer espontâneo: entradas e saídas precisas, pausas que antecedem a gargalhada, repetição de gags que, se não renovam, pelo menos entregam timing. Não é cinema que vai revolucionar nada, mas é comédia que entende sua função: fazer rir, ainda que o riso venha com gosto de déjà-vu.
E aí vem o detalhe que interessa: “Un Funeral de Locos” pode não se vender como queer, mas o é no subtexto e, especialmente, em Leonardo. Interpretado por Carlos Eduardo Zacu, ele surge como o amante anão do falecido, pronto para chantagear a família com uma revelação inconveniente. A simples presença desse personagem implode a fachada de respeitabilidade heteronormativa que a família tenta manter, trazendo para o centro da cena o segredo escondido no armário. É o queer em modo farsa, infiltrado entre piadas de cocô e diazepam alucinógeno.
A graça do elenco é que ninguém se leva a sério, e isso salva o filme. Gorka Otxoa, sob efeito de um “tripi”, entrega o corpo mais elástico da comédia, enquanto Inma Cuesta compõe uma parceira perfeita no jogo físico. Belén Rueda, a viúva, como sempre, ilumina qualquer enquadramento com presença, e Quim Gutiérrez e Ernesto Alterio sabem rir de si mesmos. O resultado é um velório onde todo mundo quer chorar, mas só consegue gargalhar.
Tecnicamente, Aitor Mantxola filma tudo com clareza, sem inventar firulas: câmera que passeia pelos grupos, cortes limpos, espaço sempre legível para que a confusão nunca se perca em barulho. É um trabalho honesto, apoiado pela montagem de Fran Amaro, que garante ritmo sem perder fôlego. Nada de ousadia estética, mas também nada de tropeços.
No fim das contas, “Un Funeral de Locos” não é sofisticado nem precisa ser. O que entrega é um retrato cômico de uma família que desmorona diante do que deveria unir, e o faz cutucando, com luvas de pelica, as estruturas de normalidade e segredo. É humor espanhol com molho ácido, daqueles que fazem rir do constrangimento alheio, e nisso está sua força.
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