"Honey Don’t!" reafirma sua ambição não apenas como uma narrativa queer provocativa, mas como o segundo capítulo de uma trilogia de filmes B sáficos idealizada por Ethan Coen e Tricia Cooke, iniciada com "Drive-Away Dolls" (2024) e que deve se encerrar com "Go, Beavers!". O filme segue Honey O’Donahue (Margaret Qualley), detetive particular assumidamente lésbica. Ainda que evite clichês como a “psycho-lésbica” ou a fetichização, as cenas de sexo entre Honey e a policial MG (Aubrey Plaza) beiram o exploitation, numa tentativa ousada de incorporar erotismo dentro da lógica pulp.
Margaret Qualley é o motor magnético do filme, sua Honey irradia charme seco, segurança e um curioso distanciamento que a transforma em uma detetive noir contemporânea. Aubrey Plaza, como MG, equilibra humor sarcástico e energia sombria, sendo irresistível o momento em que se deixa encantar pelo simples pisar dos saltos altos de Honey.
Chris Evans, no papel do reverendo Drew, oferece uma performance provocativa alternando carisma, ironia e cenas descamisado que exibem seu corpo até numa jockstrap. Ele encarna a parte mais crítica social do filme, como um pastor que esconde crimes e fetiches sob a fachada religiosa da 4 Way Church, uma caricatura narcisista que mistura fé e BDSM.
O humor de "Honey Don’t!" transita entre ironia, constrangimento e absurdo, costurando desde piadas sexuais até gags físicas no limite da caricatura. Além do humor dyke, o filme aposta também em piadas com gays e pênis, que nem sempre soam de bom gosto. Sequências de luta são tão absurdas quanto o próprio enredo, compondo um ciclo de situações cômicas que oscilam entre o engenhoso e o excessivo.
É na estética que o filme brilha: cores saturadas, animal print espalhado em figurinos caricatos e um design de produção que remete diretamente ao cinema dos anos 1970. A câmera de Ari Wegner e os figurinos de Peggy Schnitzer reforçam esse clima kitsch, aproximando o trabalho de um pastiche tarantinesco. A trilha sonora, com Brittany Howard e Lace Manhattan e Wanda Jackson, também reforça esse jogo temporal, soando quase anacrônica ao ser inserida em uma narrativa com celulares modernos e carros vintage.
Para além da química entre Honey e MG, a narrativa é movida pela busca da detetive por sua sobrinha desaparecida, um conflito que adiciona dimensão pessoal ao enredo. Essa investigação se cruza com os desvios da 4 Way Church e o mundo subterrâneo comandado pelo reverendo Drew, revelando que a corrupção espiritual e os desejos carnais se misturam em uma crítica mordaz à hipocrisia social.
Se "Drive-Away Dolls" se apoiava no humor desinibido de uma road-trip queer, por vezes ingênua, "Honey Don’t!" mergulha em um noir mais consciente de sua própria estética e mais próximo do espírito dos irmãos Coen. Há, no entanto, a mesma tendência ao excesso e ao uso de personagens secundários como engrenagens soltas, o que enfraquece a coesão narrativa.
"Honey Don’t!" é um filme estilisticamente ambicioso e cheio de personalidade, marcado pelas performances magnéticas de Margaret Qualley, Aubrey Plaza e Chris Evans. Entre erotismo quase exploitation, sátira religiosa e estética pulp, Ethan Coen constrói um relato queer ousado, mesmo com falhas. O filme erra em sua irregularidade, mas acerta ao colocar uma protagonista lésbica no centro de um noir que se permite ser debochado, sexy e violento.
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