“The Tiger”, dirigido por Spike Jonze e Halina Reijn para a Gucci, inaugura a nova era da marca sob Demna vindo da Balenciaga, em um curta que transborda sofisticação e inquietação. No centro da narrativa está Barbara Gucci, vivida por Demi Moore, matriarca que convida a família e um editor para celebrar seu aniversário. O cenário parece glamouroso, mas por trás da festa se abrem fissuras entre imagem e identidade, em um universo onde cada peça de roupa é personagem e cada look é uma máscara.
Barbara habita um espaço sufocado por visuais milimetricamente calculados, expectativas corporativas e o peso de um legado que a aprisiona. Sua performance pública como guardiã da marca contrasta com momentos de desespero íntimo, insegurança e a necessidade desesperada de aprovação. Esse jogo de aparências ecoa fortemente na experiência queer, onde identidade e performance se confundem, exigindo que cada gesto, cada traje, seja uma camada de sobrevivência.
Os figurinos, parte da coleção La Famiglia, funcionam como metonímia do próprio enredo. Barbara alterna entre casacos vermelhos intensos, vestidos barrocos e silhuetas imponentes que a transformam ora em contessa, ora em mãe, ora em filha exigente. Cada troca é uma encenação de poder e gênero, uma reafirmação de status diante dos olhos da família e do público. A fotografia luxuosa, os enquadramentos minuciosos, os brilhos, veludos e flores dramáticas convertem moda em narrativa, deixando claro que cada detalhe é uma construção de identidade.
O elenco reforça essa dramaturgia com peso: Demi Moore conduz a história como um fantasma de glamour em ruínas, enquanto Elliot Page, Edward Norton, Keke Palmer e Ed Harris orbitam em torno dela em uma coreografia de tensões familiares. A festa, aparentemente organizada para celebrar Barbara, se transforma em campo de batalha de olhares, silêncios e pequenas traições. A cada cena fica evidente que, embora ela tente controlar tudo, a imagem pública da família Gucci não lhe obedece mais.
“The Tiger” brilha quando revela que o luxo é também uma prisão dourada. O poder fere, o status consome, a beleza pesa. A trilha sonora acentua essa vertigem ao misturar Doechii e Chopin em um delírio sensorial que só Spike Jonze sabe criar, com imagens espelhadas, enquadramentos oníricos e um clima que flerta com o surrealismo. É nesse excesso que o filme encontra tanto sua força quanto sua fragilidade, pois às vezes se deixa enredar pelo espetáculo estético, sacrificando nuances emocionais que poderiam trazer ainda mais profundidade.
O filme ultrapassa a ideia de campanha de moda para se afirmar como ensaio sobre família, identidade e imagem em um mundo onde visibilidade e performance nunca descansam. Ao questionar quem somos sob as roupas que usamos e o quanto nossas vidas são moldadas por expectativas externas, a obra transforma o luxo em espelho. Mais do que anunciar uma coleção, revela como poder e desejo se enredam em camadas. Vestir é sempre escolher, esconder e sobreviver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário