domingo, 14 de setembro de 2025

Terceiras impressões: Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente - Ep. 3: ‘Fera Solta no Peito’


“Fera Solta no Peito” é um mergulho ainda mais profundo na espiral de desejo, estigma e resistência que a série vem construindo desde a estreia. Se nos dois primeiros capítulos fomos apresentados à urgência da epidemia e ao pacto coletivo pelo AZT, aqui o drama cresce em densidade e tensão, costurando intimidade e política com a mesma precisão estética que já se tornou marca registrada da produção.

Logo no início, Nando (Johnny Massaro) sonha com Caio (Igor Fernandes) em uma cena linda, sensual e perturbadora, que acontece à beira da piscina. Mas o encontro é um pesadelo, reflexo do medo de ser rejeitado, quando o namorado o ignora ao saber de seu diagnóstico. A sorofobia nunca foi tão presente, escancarando a distância entre desejo e afeto em tempos de medo.


Na Paradise, Francesca (Kika Sena) se afoga em álcool, cocaína e música, tentando lidar sozinha com o luto pelo amante. É Raul (Ícaro Silva) quem a leva para ser testada, num gesto de cuidado que revela o contraste entre desamparo e solidariedade. Ali, Francesca encontra Sonia (Rita Assemany), a viúva e desse choque de dores nasce um elo inesperado, transformando a boate em espaço de partilha e sobrevivência.


ALERTA DE SPOILER ⚠️ A narrativa se expande em Nova York, com Nando e Léa (Bruna Linzmeyer) contrabandeando AZT em uma sequência embalada por 2 Red Jokers. O pacto entre os dois se aprofunda, selado pela frase “Até que a vida nos separe”, que ecoa como promessa e presságio. De volta ao Brasil, eles anunciam um casamento de fachada para a mãe de Nando, ao mesmo tempo em que ele confessa a Raul, entre humor e desespero: “Estou fodido, bicha”.


O episódio abre espaço para novos personagens, como Paka (Matheus Costa), filho de Antunes (Julio Machado), que se envolve no esquema do AZT e confronta a família sobre os riscos da exposição. Yara (Eli Ferreira), ao descobrir que seu irmão Guga (Wayne Marinho) visitou seu filho enquanto doente, mergulha em pânico, simbolizando o estigma e a paranoia que se infiltravam nas relações mais íntimas nos anos 80.


Andrea Horta faz sua estreia na série como a atriz Andreia Brito, clara referência a Sandra Bréa, em um momento que mistura crítica e didatismo. “É muito mais que uma doença, é um abandono”, dispara ela em rede nacional, vocalizando indignação legítima, mas também expondo sem querer o contrabando de AZT, o que coloca em risco a Dra. Joana (Hermila Guedes). A série, nesse ponto, mostra como a visibilidade pública pode ser faca de dois gumes, entre denúncia e perigo.


A potência estética segue inabalável: “Fullgás”, de Marina Lima, embala Nando em uma Paradise febril, enquanto a boate vira palco de repressão policial, violência e resistência. Em meio ao caos, Raul beija Nando, e a câmera registra o gesto como uma fagulha de afeto em terreno devastado. É a prova de que a série não abre mão de afirmar o desejo como força política, mesmo sob ameaça constante.


“Fera Solta no Peito” é um episódio de fissuras e revelações, de febre e de luta, que consolida a série como não apenas um retrato histórico, mas um exercício de memória coletiva. O capítulo revela como a luta contra a doença também é uma batalha contra o silêncio e a exclusão, mostrando que a coragem de se expor e de criar redes de apoio pode ser tão transformadora quanto qualquer tratamento médico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário