segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Concerning My Daughter (딸에 대하여 , Coréia do Sul, 2023)


Por Bruno Weber É tentador limitar à homofobia o tema de Concerning My Daughter, o filme de estreia da diretora Lee Mi-rang. Sim, por deixar tão claro o sofrimento causado pelo preconceito e rejeição, marcadores de cicatrizes emocionais e físicas, mas principalmente por se tratar de um filme coreano, retratando uma sociedade moderna e tecnológica, mas onde algumas lutas por direitos tem muito o que avançar. Essa realidade bruta não deve rotular apenas como "militante" essa história profunda e sensível, que também aborda conflitos geracionais, a relação complexa entre mãe e filha, e o temor pelo futuro em um mundo cada vez menos convidativo.


Baseado no best-seller da escritora Kim Hye-jin, Concerning My Daughter conta a história de uma mulher de meia idade interpretada por Oh Min-ae. A personagem não é nomeada, sendo creditada apenas como "Mãe", mas nós a conhecemos bem apenas por seus hábitos e funções. Ela é viúva, trabalha como cuidadora num asilo para idosos, mora sozinha numa casa em que ela aluga o andar de cima para uma família, come pouco e dorme mal. E nós também a conhecemos através do contraste que ela tem com sua filha, uma jovem professora idealista e descolada interpretada por Lim Se-mi.


Ela está passando por problemas financeiros enquanto o mercado imobiliário na Coréia do Sul impede que qualquer pessoa com uma renda básica mantenha um lugar decente pra morar, então a solução é se mudar pra casa da mãe. E ela traz consigo sua namorada. A filha, Green, e sua namorada Rain - e é interessante como as duas, assim como a Mãe, também não são propriamente nomeadas, e nós as conhecemos pelos apelidos afetivos que elas dão uma para a outra - logo se acomodam na casa da Mãe, e os contrastes entre esses dois lados ficam mais aparentes. A Mãe quase não consegue esconder seu desprezo por Rain, que constantemente tenta mostrar paciência e manter a harmonia. Ao passo que Green parece mais confortável com a situação, tratando tudo com casualidade no começo.


Mas os confrontos entre Green e sua mãe são inevitáveis. A Mãe tenta esconder suas palavras mais cruéis atrás de uma fachada de frieza e distância, mas a cada dia uma nova pequena agressão, um novo pequeno desconforto, faz à tona discussões que elas já deveriam ter tido há muito tempo. O fato da Mãe rejeitar Rain e o relacionamento que ela tem com Green não é motivado apenas por preconceito e conservadorismo tacanho - apesar deles serem muito presentes - mas também de temor real. A Mãe teme que Green se exponha, ainda mais ao participar de uma campanha em defesa de uma colega de trabalho que foi demitida após sair do armário.


Mas principalmente, a Mãe fica abalada pelo que acontece com uma paciente do asilo, a quem ela dedica os maiores cuidados, e até mesmo o carinho que ela não demonstra tanto pela filha. Sozinha, sem família e debilitada pela demência, a Sra. Lee (Heo Jin) acaba se tornando para a Mãe um aviso sombrio do que pode acontecer com ela em alguns anos, mas também do que pode acontecer com Green se ela não "optar" por uma vida e uma família tradicionais. E Green tenta como pode explicar pra Mãe o óbvio: ambas podem ter uma família completa. Com Rain.


A direção e o roteiro de Lee Mi-rang possuem uma abordagem direta e naturalista que escapam das armadilhas de se contar uma história como essa. A narrativa aposta no visual para transparecer a natureza dessas personagens. Como na cena em que Rain e Green voltam juntas do mercado, segurando juntas uma melancia. Um contraste com outra cena do começo do filme, em que vemos a Mãe fazendo a mesma coisa, mas com mais dificuldade e sem um sorriso no rosto, que expressa que as duas jovens mulheres têm aquilo que realmente faz falta à mais velha. Mas o filme não se retrai de apostar no drama mais exacerbado quando precisa. E há, em particular, uma cena bem efetiva num hospital em que todas essas opiniões e discussões se chocam, e por um momento a Mãe e Green voltam a se tornar a mãe e filha que sempre foram.


Ainda assim, o que impede esse de ser um filme "militante" é que não há respostas fáceis sobre a protagonista. Ao fim da trama, a Mãe parece ter se apegado mais a Rain, mas ainda não é capaz de responder as pessoas quando perguntam quem ela é. E quando o filme começa a apresentar uma conclusão simples, feliz e básica, ele rapidamente quebra essa ilusão. No final, mesmo depois de tudo que acontece, não dá pra ter certeza do que a personagem da Mãe está realmente pensando. A única coisa que é certa é que o mundo ao seu redor está mudando, apesar dela. 




Bruno Weber é formado em Rádio e TV, ama cinema e trabalha como desenhista. Suas ilustrações e tirinhas podem ser vistas nas redes sociais, como a série Cenas Deslembradas de Filmes Esquecidos, tirinhas autobiográficas e quadrinhos diversos.

https://www.instagram.com/roboilustrador/

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