A ideia de "machos alfa" é falsa. Simples assim. Foi inventada a partir de um estudo sobre o comportamento de matilhas de lobos, que há muito foi desacreditado pelo próprio biólogo que o publicou originalmente. Ainda assim, um bando de homens inseguros criou essa fantasia de que eles devem se sobrepor a outros homens e, principalmente, sobre as mulheres. Talvez seja a ideia do animal selvagem, livre e dominador, que atraia tanto a esses homens. Mas o novo filme do diretor dominicano José María Cabral não fala de lobos, e sim de tigres. "Tiguere" é sobre o nome popular dado à figura do ideal masculino nas culturas da República Dominicana e do Caribe - o homem dominador, malandro, que não leva desaforo de ninguém - mas também é sobre Pablo (Carlos Fernández) e seu pai, Alberto (Manny Perez).
Alberto é um "tigre". É provavelmente o que ele diria de si mesmo, mas outros como ele concordariam. Um rico dono de fazenda e criador de cavalos, ele até se considera uma autoridade sobre o que é ser "tigre". Tanto que ele promove em sua fazenda um acampamento especial, onde famílias privilegiadas deixam seus filhos adolescentes por uma temporada. Quando sua ex-mulher leva seu filho Pablo para a fazenda durante as férias, o garoto não imagina que ele também fará parte disso. Junto de um grupo de outros jovens como ele, Pablo passa dias sofrendo com o "treinamento" do pai, que consiste em exercícios físicos perigosos ou humilhantes, o fomento de desavenças e brigas de socos.
Tudo isso enquanto a ideologia que Alberto montou é martelada na cabeça dos garotos. Frases como "o homem não entrega sua força para a mulher", "você serão os líderes desse país" e "vocês podem nascer tigres, ou podem se esforçar para serem" se misturam com versículos bíblicos, em especial o do Levítico: "Não se deite com outro homem para ter relações com ele como se fosse mulher; é abominação". É um sistema de crenças cheio de fanatismos - um machismo que rejeita tudo que não é assumidamente machista - mas também cheio de contradições. Alberto ensina a desejar e a possuir mulheres, mas não a respeitá-las. Ensina que é preciso ser forte para se defender, mas que não tem problema em atacar os mais fracos. E que é importante vencer, mas sempre como indivíduo e nunca como grupo.
José María Cabral escreveu essa história a partir de sua própria experiência num acampamento como esse. Ele conta que era uma criança introvertida e tímida. Que era inseguro e não gostava de esportes. E que nada disso se encaixava na sociedade dominicana.
Da mesma forma, os garotos de seu filme apresentam alguma sensibilidade ou vulnerabilidade que levou seus pais a mandá-los para o acampamento. Um sofre bullying por ser gordo, outro é pequeno e fraco e faz xixi na cama, outro tem a suspeita de ser homossexual. Outro é apenas negro, e Alberto quer ensiná-lo que isso não vai importar se ele for um tigre. No caso de Pablo, Alberto diz que o colocou no acampamento porque o "ama". Mas Pablo apresenta várias das características que o diretor usou para se descrever. Ele não fala muito, fica bastante tempo ouvindo música com seus fones de ouvido, tem talento para desenhar e gosta de deixar o cabelo mais comprido.
E também sente um carinho por Bruno, seu colega de acampamento, que talvez seja algo mais do que companheirismo e a vontade de fugir que ambos compartilham. Ele acaba percebendo que o amor de Alberto é uma mentira. Que na verdade, ele é tudo que seu pai odeia. Como clássico narcisista, Alberto vê seu filho não apenas como posse, mas como extensão dele. E todas as virtudes masculinas que Pablo já possui devem ser retiradas ou moldadas para ficarem mais próximas dos ideais dele. Esse é o amor que Alberto sente. E talvez seja sua maior contradição.
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