Se paixão, dedicação e respeito verdadeiros podem criar alguns pequenos milagres e unir as pessoas mais distantes entre si, basta um pouco de desarmonia para colocar tudo a perder. Essa é a mensagem trazida por Sol de Inverno, o novo filme do diretor Hiroshi Okuyama, que conta a história dos laços criados entre os adolescentes Takuya (Keitatsu Koshiyama) e Sakura (Nakanishi Kiara), e de seu professor de patinação no gelo, Arakawa (Sosuke Ikematsu). Quando conhecemos Takuya no começo do filme, ele parece perdido entre seus colegas de classe. Uma gagueira forte o impede de se comunicar propriamente e ele parece desconfortável com o próprio corpo, o que também o torna uma negação no beisebol. Mas quando a primeira neve chega em sua pequena ilha japonesa e começa a temporada de hóquei - outro esporte no qual ele não consegue se destacar - sua vida muda quando ele vê Sakura patinar na pista de gelo.
O olhar de Takuya se preenche de uma nova luz e emoção ao assistir os belos movimentos da garota, e seu fascínio é percebido pelo técnico Arakawa, contratado pela mãe de Sakura para ensiná-la - ainda que ela não se empolgue muito, mesmo tendo talento. A partir daí, Arakawa se oferece para ensinar Takuya, e presenciar a evolução e o entusiasmo do garoto reascende a paixão que ele já teve pela patinação artística. Uma paixão que ele consegue transferir para Sakura quando propõe que ela e Takuya treinem juntos. Os três personagens formam então uma conexão sincera e benevolente. Nela, Takuya sai de sua casca e passa a se manifestar de uma forma como nunca pôde antes. Sakura, além de descobrir que realmente ama a patinação artística, se sente confortável para ter relações verdadeiras fora da sua imagem de garota perfeita. E Arakawa começa a sentir um carinho e dedicação pelos alunos, sendo que antes sempre se mantinha distante de todos. Com exceção de seu namorado, Igarashi (Ryuya Wakaba), cuja relação ele se vê forçado a manter em segredo. Um pouco por se tratar do contexto de uma pequena cidade rural, mas também por temer por sua posição como professor, Arakawa só se relaciona de verdade com Igarashi quando ninguém mais está olhando. E apesar de demonstrarem uma intimidade carinhosa e confortável, a necessidade do romance secreto afeta os dois. O que explica o anseio de Arakawa por uma conexão com seus pupilos. Mas, mesmo nas situações mais positivas e inocentes, o preconceito ainda pode se instalar. E os piores temores de Arakawa se realizam quando ele percebe que sua sexualidade sempre será um alvo.
Hiroshi Okuyama filma essa história singela e sensível de uma forma bem simples, sem floreios desnecessários. Até a escolha do enquadramento fechado traz a memória de um drama feito pra TV, uma novela menos focada em linguagem audiovisual rebuscada e mais nas relações e emoções dos personagens. Essa abordagem, auxiliada por um ótimo elenco entregando boas atuações, é mais do que bem-sucedida. Duvido que alguém não abra um sorriso ao acompanhar a evolução de Takuya, talvez o protagonista mais fofo do ano. Não que o filme decepcione em fatores técnicos. A fotografia reluzente e colorida transforma os cenários em lugares convidativos e aconchegantes, mesmo quando cobertos pela neve. Há uma cena em especial com os três personagens treinando num lago congelado, que a fotografia ganha um tom dourado, e a montagem dos momentos felizes entre eles começa a parecer um reel de filme caseiro, de boas memórias do passado.
Isso tudo torna Sol de Inverno um filme equilibrado. Básico, mas sensível e gostoso de se assistir. Apesar da frase com a qual esse texto começa, o filme não se entrega à falta de esperança, e ainda termina sendo apenas uma história simples sobre se conectar com alguém. Não é nada de mais, mas às vezes é exatamente isso que a gente precisa.
Exibido na mostra “Un certain regard” no Festival de Cannes, “Sol de inverno” encanta o público com sua charmosa história sobre um garoto que descobre na patinação artística uma nova paixão.
O filme conta a história de Takuya, interpretado por Keitatsu Koshiyama, um jovem aluno do ensino fundamental que não é o preferido do professor de educação física, já que o garoto é desatento e nos jogos de hockey ele é o primeiro a se machucar. O que realmente atrai sua atenção é Sakura, interpretada por Nakanishi Kiara, praticante de patinação artística e aluna de Arakawa, personagem de Sosuke Ikematsu, técnico e ex-campeão de patinação artística. Quando Takuya começa a treinar sozinho, o técnico se oferece para ajudá-lo e começa aí uma amizade entre os dois.
Esse é o segundo longa do diretor Hiroshi Okuyama, que já dirigiu também episódios da série da Netflix "Makanai: Cozinhando para A Casa Maiko", junto com Hirokazu Koreeda, cujos filmes dividem bastante similaridade com "Sol de inverno", especialmente "Nossa irmã mais nova" e "Depois da tempestade". Koreeda é um dos grandes nomes do cinema japonês e suas histórias são retratos sensíveis sobre as conexões que fazemos. "Sol de inverno" tem essa característica de sobra e isso se deve à direção segura de Okuyama.
Tanto em "Sol de inverno", quanto em seu filme anterior "Jesus", Okuyama desempenha não apenas a função de diretor e roteirista, mas também a de diretor de fotografia e editor. Atuar em tantas frentes diferentes é um desafio, mas como o cineasta sabe bem qual intenção tirar de cada cena, ele consegue criar sequências memoráveis. Como os momentos de fantasia quando Sakura patina, por exemplo. A fotografia usa uma iluminação marcada que cria silhuetas lindas e imagens oníricas. E embora as cenas tenham um tempo dilatado, isso não faz o filme perder ritmo. A edição é dinâmica e jamais cansa o espectador.
As atuações também são um destaque à parte. Os três atores principais estão ótimos, em performances contidas, mas totalmente cativantes. Inclusive as duas crianças Koshiyama e Kiara são estreantes como atores (a prioridade de Okuyama era ter atores que dominassem a patinação no gelo), mas o intérprete de Takuya tem muito futuro na área. Ele é muito carismático e toda vez que sorria em cena fazia o público sorrir também. Ikematsu, o treinador, começa discreto, mas ganha espaço no filme até tomar o protagonismo da história.
O ponto fraco de "Sol de inverno" é a resolução. O filme aposta em um conflito de última hora para o clímax que soa um pouco deslocado. Explico. Sakura toma decisões drásticas ao descobrir a homossexualidade de um dos personagens. Mas como isso não é trabalhado antes, o público fica sem entender por que a menina reagiu desse jeito.
No entanto, mesmo com um final apressado, "Sol de inverno" impressiona o espectador com seu ponto de vista sensível e emocionante. Um dos destaques da Mostra para não perder.
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