segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Jean Cocteau (EUA, 2024)

Por Bruno Weber A cineasta Lisa Immordino Vreeland continua com mais um título entre seus documentários em que mergulha a fundo nas vidas de figuras famosas da arte de da cultura. Em filmes anteriores, ela abordou tópicos como Peggy Guggenhein, Truman Capote e Diana Vreeland, e agora ela volta seu olhar para o multifacetado Jean Cocteau, nesse documentário intitulado de forma sucinta com o nome do artista.

Logo nos primeiros minutos ouvimos a narração das palavras de Cocteau: "Por que você escreve peças de teatro? Pergunta-me o romancista. Por que você escreve romances? Pergunta-me o dramaturgo. Por que você faz filmes? Pergunta-me o poeta. Por que você desenha? Pergunta-me o crítico… Sim, por quê? Eu também me pergunto." Nos noventa minutos seguintes, o filme nos dá alguma resposta. A narração é feita pelo ator Josh Connor, famoso por The Crown e Rivais, cuja voz encarna Cocteau a partir de vários escritos, como seus livros e cartas pessoais. Connor faz um bom trabalho de narrador, mas desconfio que o motivo dele ter sido escalado, além de ser um dos atores do momento, é por ter uma grande semelhança física com Cocteau. Pode até parecer uma coincidência irrelevante para o papel de um narrador. Mas digo isso pois o filme é adaptação de um episódio da série documental Art of Style, de 2018, também dirigido por Vreeland. O episódio aplica a mesma abordagem, e tem Timothée Chalamet interpretando Cocteau na narração - outro que também era o ator do momento já em 2018 e também se parece muito com um jovem Cocteau.


Produzido em parceria com O Museu Jean Cocteau, o documentário intercala essas narrações com gravações do próprio diretor falando sobre sua vida e sua carreira, focando principalmente em "Jean Cocteau s'adresse... à l'an 2000", um curta-metragem que ele gravou em Agosto de 1963, dois meses antes de sua morte, no qual ele se dirigia diretamente a juventude do século 21. A partir daí, o documentário forma uma linha de tempo começando pela juventude e pelo início da carreira de Cocteau, marcada por sua filmografia curta e célebre, além das peças de teatro e livros. 


O filme mostra um Cocteau que, por suas próprias palavras, se definia menos como um autor e mais como um veículo de uma força maior, que o compelia e o guiava em sua jornada artística. Essa abordagem o levou a colaborar com vários artistas e personalidades durante mais de quatro décadas de atividade. O filme nos apresenta as figuras de Pablo Picasso, Coco Chanel, Jean Marais, Igor Stravinsky e Sergei Diaghilev. Seu estilo onírico e fantasioso também o levou a colaborar inicialmente com os surrealistas franceses, embora essa relação tenha terminado mal. Os surrealistas não escondiam seu desdém por Cocteau, que eles expressavam com vaias, boicotes e até ameaças de morte. Há teorias - e o documentário parece concordar com elas - de que homofobia tenha sido um dos fatores desse ódio.

Cocteau não escondia sua sexualidade, que estava bem presente em seu trabalho. Em 1930, ele escreveu a peça "A Voz Humana", após o término do relacionamento com Jean Desbordes, e o documentário deixa claro como o sentimento de abandono por seu amante se expressou nas palavras da personagem principal. Tanto que André Breton, grande teórico do surrealismo francês e inimigo declarado de Cocteau, chamou a peça de obscena.

Mas Cocteau sabia que não havia obscenidade no fato de ser homossexual. Muito pelo contrário. Seu trabalho celebrava esses sentimentos, numa extrema erotização da forma masculina, que ao invés de objetificar, cercava de poesia e misticismo. O documentário de Vreeland se entrega a esse aspecto de sua vida ao incluir passagens de O Livro Branco, sua autobiografia sexual em que ele descreve essas descobertas. "Por mais atrás que eu volte, encontro rastros do meu gosto por rapazes" ele escreveu, acompanhando as ilustrações do livro, que combinam o erótico com o fantasioso.

Além disso, o filme lista alguns dos grandes amores da vida de Cocteau, como Marcel Khill, Al Brown e, especialmente Jean Marais. O relacionamento com Marais tem destaque pois, além de ser um dos mais duradouros, também servia de inspiração artística para Cocteau. Seu ator favorito, Marais estrelou cinco de seus filmes. Foi a Fera na versão de Cocteau de A Bela e A Fera, que continua sendo a melhor adaptação até hoje. E encarnou versões modernas dos heróis da mitologia grega nos dois últimos filmes da Trilogia Órfica, os trabalhos mais pessoais de Cocteau no cinema.


O documentário termina essa linha de tempo, obviamente, com a morte de Cocteau em 1963, nos deixando a cargo de analisar seu legado e suas contradições. Se ele se via como um mero veículo de uma força maior que impulsiona todos os criadores, e dizia que um artista falha ao incluir suas próprias intenções no trabalho, o fato de haver tanto de sua intimidade e de seu âmago em suas obras conta outra história. E se ele se dizia um "artista desconhecido", fadado a permanecer um mistério, é exatamente esse imenso legado que o contradiz.



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