“Desobedientes”, criada por Mae Martin, é uma série ambientada em 2003, em Tall Pines Academy, um instituto para adolescentes considerados “problemáticos”. A trama combina thriller psicológico, drama adolescente e terror atmosférico para investigar como identidades resistem em espaços de controle social e vigilância. Desde o início, a série mostra que não se trata apenas de suspense, mas de um olhar em como corpos e subjetividades são moldados, reprimidos e, sobretudo, reinventados.
No centro da narrativa estão quatro protagonistas intensos: Alex Dempsey (Mae Martin), um policial trans que busca conciliar a vida em comunidade e sua relação com a esposa grávida Laura (Sarah Gordon), que por sua vez esconde um passado, Leila (Alyvia Alyn Lind), uma jovem bissexual cuja sexualidade é parte natural de sua identidade e a melhor amiga Abbie (Sydney Topliffe), adolescente marcada por traumas e instabilidade emocional, e claro, Evelyn Wade (Toni Colette), terapeuta e diretora da escola, que transita entre mentora e manipuladora sinistra. Cada um carrega fissuras próprias e, ao se encontrarem nos corredores e segredos da comunidade de Tall Pines, tornam-se espelhos e ameaças uns para os outros.
A ambientação em 2003 dá à série uma camada nostálgica poderosa, reforçada por uma trilha sonora que é praticamente um personagem à parte. Canções como “Time” do Pink Floyd, “Say It Ain’t So” do Weezer e “Free Bird” do Lynyrd Skynyrd abrem espaço para diálogos íntimos e atmosferas sufocantes, enquanto “Dear Prudence” na versão de Leslie West, “No Surprises” do Radiohead e “Help I’m Alive” do Metric intensificam sequências. Essa fusão de rock clássico, indie alternativo e pérolas melancólicas cria um contraste potente com o peso psicológico da narrativa, fazendo da música um registro afetivo do início dos anos 2000.
O espaço da Tall Pines Academy funciona como metáfora de sistemas que historicamente tentaram “corrigir” jovens queer. Ali, a disciplina rígida e os exercícios terapêuticos forçados entram em choque com a necessidade de autoaceitação e pertencimento. Evelyn Wade é figura central nesse processo, oscilando entre guia e opressora, enquanto Abbie e Leila procuram resistir ao sufocamento de uma instituição que insiste em moldar subjetividades com métodos violentos. A série sugere que o verdadeiro horror não está nos corredores escuros, mas na imposição de normalidade que tenta apagar o diverso.
O maior mérito de “Desobedientes” é a representação dos personagens queer. A identidade de Alex não se resume a um “drama moral”, mas atravessa sua vida conjugal e comunitária de maneira orgânica, ele investiga os desaparecimentos que rondam a Escola, além de dilemas inesperados no relacionamento. Leila, por sua vez, encarna uma bissexualidade, que só é concretizada numa sequência que acena para a liberdade. Até figuras periféricas, como Rabbit (Tattiawna Jones) , guardiã, e carrasca, da academia, revelam como a diversidade sexual e de gênero é tecida na trama não como exceção, mas como regra de existência.
No desfecho, “Desobedientes” se firma como mais do que um thriller juvenil. É uma reflexão sobre identidade, memória e poder, um aviso de que as tentativas de domesticar corpos e desejos sempre encontram resistência. A série inquieta porque mostra que o queer não é apenas sobrevivência, é também criação de mundos. A atração se torna uma obra que fala de dor, mas também de cura, de medo, mas também de coragem.