segunda-feira, 28 de setembro de 2020

A Pele que Habito(La Piel que Habito, Espanha, 2011)


Alerta de Spoiler: Neste texto revelarei o plost do filme. Por isso se não quiser saber o que o torna tão maravilhoso, precisa vê-lo urgente para descobrir.


A Pele que Habito é diferente de tudo o que o cineasta espanhol Pedro Almodóvar já havia realizado antes, assim como Carne Trêmula de 1997 não é um roteiro original, é inspirado no livro Tarântula de Thierry Janquet. O filme é obscuro, tem pouco vermelho, apenas no sangue e tons azulados e acinzentados, além de um atmosfera expressionista de O Médico e o Monstro.


O filme começa na cidade medieval de Toledo. Em seguida vemos uma uma mulher, a atriz Elena Anaya que já havia feito uma pequena participação em Fale com Ela, vestindo uma malha muito apertada e fazendo exercícios de Yoga. Ela é atendida por um elevador de comida por Marília, personagem da ótima Marisa Paredes, com quem Almodóvar não trabalhava desde Tudo sobre minha mãe, e que já fez excelentes papéis em A Flor do meu Segredo e De Salto Alto.


Na cena seguinte, Antonio Banderas o preferido de Almodóvar surge como um famoso cirurgião, Robert Lestler palestrando sobre transplante de rosto. A câmera corta para sangue no microscópio e o médico analisando a personagem de Elena Anaya nua em uma grande tela, como se fosse uma obra de arte.


O médico está tentando criar a pele perfeita e usa a mulher como cobaia para seu experimento, batiza a pele de Gal, numa de tantas homenagens que o filme faz ao Brasil, como quando fala da Bahia, através do personagem Zeca e quando a pequena Norma, filha do médico, canta uma canção em português.


O personagem Zeca, interpretado pelo ator Roberto Álamo, entra em cena vestido de tigre, ele é o filho brasileiro de Marília, que fantasiado invade a casa e descobre a mulher da malha justa nos monitores de TV. Assim como a cena de estupro de Kika, ela amordaça a criada na cadeira e parte para como uma tigre atacar a sua vitima. A mulher é estuprada brutalmente. O tigre observa nela uma semelhança com Gal, a mulher morta de Roberto e também sua amante. O médico adentra o quarto e mata o violador com dois tiros.

Assim como na última cena de Tudo sobre minha mãe, onde citando um texto de Garcia Lorca sobre se empapar com o sangue do filho, Marisa Paredes limpa o sangue do tigre enquanto Roberto se livra de corpo.


Em uma cena cheia de diálogos Almodóvarianos, Marília e Vera conversam e a veterana conta sobre a morte da mulher de Roberto, de como ela sofreu um acidente de carro quando estava junto de Zeca, ficou toda desfigurada e se suicidou jogando-se da janela. O médico volta a cena e afeiçoada por ele, Vera finalmente vai para a cama com o homem, mas sem condições de transar apenas dormem.


A narrativa não linear nos leva há seis anos antes. Roberto está numa festa de casamento junto com a filha Norma, mais velha interpretada por Blanca Suárez de Os Amantes Passageiros, Julieta e da série As Telefonistas. No jardim vários casais fazem sexo, num verdadeiro bacanal. Ledgard encontra a filha numa árvore desmaiada, e logo deduz que ela foi estuprada.


Vicente trabalha no brechó da mãe em Toledo, antes de ir à festa ele toma ecstasy e no evento flerta com Norma, a quem leva para o jardim, mas a jovem que é atormentada após a morte da mãe parece não entender bem o que está acontecendo, mesmo assim é beijada e consequentemente estuprada.


Na festa uma cantora negra interpreta lindamente num vestido vermelho Necesito Amor, enquanto não entendemos ao certo se o ato foi ou não consumado. Resgatada pelo pai, Norma acaba indo parar numa clínica, criando aversão aos homens e posteriormente se suicidando. 


Semanas depois, Vicente se despede da mãe e da irmã e parte de moto. É perseguido, raptado e acorrentado num porão onde só bebe água de uma bacia. Até que surge Roberto e lhe dá um banho de mangueira e o alimenta.


Roberto barbeia Vicente que está atordoado, logo o leva para uma sala de cirurgia onde lhe faz uma vaginoplastia, o plot do filme é literalmente o maior pesadelo de um homem cis. A cena em que o médico lhe dá dildos para manter o orifício aberto é extremamente violenta ao mesmo tempo, que sutil.

Aos poucos Vicente se torna Vera, nome que Roberto lhe dá, com seios, vagina, um novo rosto e a pele perfeita. Usando uma segunda pele ele se adapta ao novo corpo, porém tenta escapar e corta a própria garganta. Vemos Antonio Banderas sublime, talvez na melhor atuação de sua carreira ao lado de Dor e Glória.


Usando uma máscara para ficar com o rosto de Gal, Vera precisa conviver com a nova realidade enquanto escreve nas paredes com a maquiagem que lhe é mandada frases como “sei que respiro” e “o ópio me ajuda”.

De volta ao presente, Vera já numa relação com Roberto corta um abacaxi, nos filmes de Almodóvar geralmente são tomates, enquanto conversa com Marília, que de fato não confia nela mas a leva para passear. A personagem também esconde o fato de ser a verdadeira mãe de Roberto e por isso tratá-lo com tanto zelo.

Quando um outro médico que participou da cirurgia questiona sobre o jovem desaparecido e a misteriosa vaginoplastia que fizeram, Vicente estampa os jornais entre os desaparecidos , Vera entra em cena e defende Roberto, assumindo assim uma relação.


Mas é na noite, quando vão transar e Vera interrompe o sexo para pegar um gel na bolsa que ela volta armada e mata o amante e também Marília. Ela regressa ao seu pueblo onde pode finalmente reencontrar sua mãe.


A Pele que Habito é mais uma obra prima de Almodóvar, é uma reinvenção de seu estilo e linguagem onde ele volta a flertar com o gênero de terror, depois de sutis experiências em Áta-me! E Kika.  Tão surpreendente quanto magnífico o filme entra para a galeria dos melhores do diretor, como um longa muito inventivo e com roteiro muito bem adaptado pelo próprio cineasta.





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