Carta para além dos muros, filme que homenageia Caio Fernando Abreu através de seu título e dirigido por André Canto é um importante e necessário relato histórico sobre o HIV/AIDS no Brasil.
Narrado pelo ponto de vista de diversos infectologistas como Ricardo Tapajós, Márcia Rachid e Artur Timmerman, pessoas soropositivas, e ativistas como Beto de Jesus o longa constrói o cenário do HIV no país.
O filme começa com o relato de um jovem que recém foi diagnosticado e que por isso aparece anonimamente, mas é uma peça fundamental para a narrativa do filme. Depois vemos imagens de arquivo dos anos 1980 onde o sexo era livre e se vivia uma verdadeira efervescência cultural.
Quando no início daquela década um vírus misterioso apareceu, pouco se sabia sobre ele, mas já estava sendo estigmatizado como a “peste gay”. Segundo depoimento de alguns ignorantes exibidos em acervo de matérias de TV “A AIDS é uma providência divina para exterminar homossexuais”.
Em um momento que clamava por políticas de saúde, diversos ativistas surgiram como a transexual Brenda Lee que possuía uma casa de acolhimento para travestis com HIV e desenvolveu papel fundamental para a comunidade trans.
Através de depoimentos dos colegas, o infectologista Paulo Roberto Teixeira é celebrado pelos esforços que fez para combater os estigmas da doença. Em 1985, é criado o GAPA, instituição extremamente relevante e pioneira de apoio à AIDS no país.
Cazuza é relembrado em lindas imagens de arquivo e no depoimento de Lucinha Araújo, mãe e fundadora da sociedade "Viva Cazuza". A ativista relembra o preconceito que o artista sofreu em uma capa sensacionalista da Veja. Marina Person destaca a importância do amigo para a conscientização social.
No início dos anos 1990, ainda não havia perspectiva de sobrevivência. A contaminação era cada vez mais frequente nas rodas de agulhas entre usuários de drogas injetáveis.
O filme mostra uma chocante campanha publicitária feita pelo dramaturgo Plínio Marcos para presidiários na cadeia. É quando entra o médico Drauzio Varella é dá o seu depoimento sobre a AIDS nos presídios.
Mulheres infectadas, crianças órfãs que poderiam estar ou não infectadas, hemofílicos, lipotrofia. Todos os casos são registrados pelo longa que diante de um cenário de morte começa a ver esperança com a chegada de medicamentos em voos internacionais da Varig.
Com a evolução do AZT e seus terríveis efeitos colaterais, em 1996 surgiu uma nova classe de remédios que fizeram toda a diferença, mas eram caros e de difícil acesso. Pressionado por ONGs e por pacientes que entravam na justiça lutando por direitos o governo aprovou a Lei Sarney, que permitia que o SUS passasse a financiar o tratamento.
Durante todo o filme manchetes de jornais ilustram a cena mostrando a evolução no tratamento de uma doença crônica que passou de sentença de morte a uma patologia tratável. Hoje, o cenário é totalmente otimista com remédios gratuitos que tornam o paciente indetectável e intransmissível.
A desinformação, porém, e o preconceito da população continuam. O HIV segue sendo um estigma, um tabu na sociedade. Por isso, como diria o poeta “Vamos pedir piedade, senhor piedade, pra essa gente careta e covarde”.
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