quarta-feira, 30 de abril de 2025

Road Movies Queer: Jornadas de Liberdade e Autodescoberta

Os road movies queer são mais do que histórias sobre viagens — são metáforas poderosas pra busca por identidade, liberdade e conexão num mundo que muitas vezes marginaliza quem desafia as normas. A estrada, nesses filmes, é um espaço de transformação, onde personagens queer enfrentam seus medos, descobrem quem são e constroem laços que desafiam o status quo. De clássicos dos anos 80 a obras contemporâneas, o gênero tem sido um terreno fértil pro cinema queer, oferecendo narrativas que celebram a diversidade e a autodescoberta. No Cinematografia Queer, a gente viaja por esse universo com 10 filmes que mostram como a jornada pode ser tão revolucionária quanto o destino.


“The Living End” (1992) – Gregg Araki

Gregg Araki trouxe um marco do New Queer Cinema com “The Living End”, um road movie punk e niilista sobre dois homens soropositivos, Luke e Jon, que fogem pelos EUA após um diagnóstico de HIV. A jornada deles é uma explosão de raiva e desejo, misturando sexo, violência e um grito contra a sociedade que os marginaliza. É um filme cru, que não pede desculpas, e que captura a urgência de viver plenamente diante da morte.


“Até os Ossos” (Bones and All, 2022) – Luca Guadagnino

Luca Guadagnino transforma o road movie em um conto de horror romântico com “Até os Ossos”. Maren (Taylor Russell) e Lee (Timothée Chalamet), dois jovens canibais, cruzam os EUA em busca de pertencimento, com Lee trazendo uma camada queer à narrativa. A estrada é um espaço de amor e violência, onde a marginalidade dos protagonistas reflete a luta por aceitação num mundo que os rejeita.


“Y Tu Mamá También” (2001) – Alfonso Cuarón

“Y Tu Mamá También”, de Alfonso Cuarón, é um road movie mexicano que mistura juventude, desejo e descoberta. Julio (Gael García Bernal) e Tenoch (Diego Luna) viajam com Luisa (Maribel Verdú), e a tensão homoerótica entre os dois jovens emerge como um elemento queer sutil, mas impactante. A jornada, cheia de paisagens mexicanas e momentos de intimidade, é uma metáfora pra ruptura de barreiras sociais e pessoais.

Um marco do cinema queer e road movie, seguindo Mike (River Phoenix) e Scott (Keanu Reeves) em uma jornada emocional e física pelas estradas dos EUA, em busca de identidade e conexão.

texto brasileiro contemporâneo, com uma narrativa sensível e vibrante.


“To Wong Foo, Thanks for Everything! Julie Newmar” (1995) – Beeban Kidron

“To Wong Foo” é uma celebração queer de amizade e autenticidade, com três drag queens — Vida (Patrick Swayze), Noxeema (Wesley Snipes) e Chi-Chi (John Leguizamo) — cruzando os EUA pra competir num concurso. Ao longo do caminho, elas transformam uma cidadezinha conservadora com sua alegria e coragem, mostrando que a estrada pode ser um espaço de resistência e aceitação.



“Corações Desertos” (Desert Hearts, 1985) – Donna Deitch

Um clássico do cinema sáfico “Corações Desertos” segue Vivian (Helen Shaver), uma professora que viaja a Reno pra se divorciar, e Cay (Patricia Charbonneau), uma jovem artista que a conquista. A jornada é mais emocional do que física, mas a estrada de Nevada simboliza a liberdade de Vivian pra abraçar sua sexualidade e encontrar o amor num mundo que a reprime.


“Alma do Deserto” (Alma del Desierto, 2024) – Mónica Taboada-Tapia

“Alma do Deserto”, de Mónica Taboada-Tapia, é um documentário premiado com o Queer Lion em Veneza, que acompanha Georgina, uma mulher trans da etnia Wayúu, no deserto de Guajira, Colômbia. Aos 70 anos, ela luta por um documento que reconheça seu gênero, enfrentando intolerância e barreiras burocráticas após ter sua casa incendiada. A jornada, capturada em paisagens poéticas, é uma odisseia de resistência, identidade e direitos humanos, celebrando a cultura Wayúu e a comunidade queer.

“Lola e o Mar” (Lola vers la Mer, 2019) – Laurent Micheli

Lola (Mya Bollaers), uma jovem trans, e seu pai (Benoît Magimel) cruzam a Bélgica pra espalhar as cinzas de sua mãe, num road movie sobre aceitação e reconciliação. “Lola e o Mar” coloca a identidade trans de Lola no centro, mostrando como a estrada pode ser um espaço pra curar feridas e construir pontes entre gerações.


“Priscilla, a Rainha do Deserto” (The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert, 1994) – Stephan Elliott

“Priscilla, a Rainha do Deserto” é um clássico camp do cinema queer, seguindo três drag queens — Bernadette (Terence Stamp), Mitzi (Hugo Weaving) e Felicia (Guy Pearce) — cruzando o deserto australiano num ônibus chamado Priscilla. A jornada é uma explosão de cores, música e autodescoberta, enfrentando preconceitos com humor e resistência, e celebrando a liberdade de ser quem se é.


“Deserto Particular” (Private Desert, 2021) – Aly Muritiba

Em Deserto Particular, Aly Muritiba leva Daniel, um policial suspenso de Curitiba, numa jornada de 2.700 km até a Bahia em busca de Sara, sua paixão virtual. A estrada, entre o Sul conservador e o Nordeste vibrante, revela que Sara é Robson, um jovem gay que desafia a homofobia de seu mundo.

Conclusão: A Estrada como Liberdade

Dos desertos da Colômbia às estradas dos EUA, esses road movies queer mostram que a jornada é um espaço de transformação. Seja enfrentando preconceitos, descobrindo o amor ou reconstruindo laços, os personagens desses filmes encontram na estrada um lugar pra serem quem são. No Cinematografia Queer, a gente celebra essas histórias que nos lembram que a liberdade está no caminho — e na coragem de segui-lo.



terça-feira, 29 de abril de 2025

According to Otto (Austrália, 2025)

“According to Otto”, dirigido e escrito por Wayne Tunks, é uma adaptação cinematográfica de sua peça teatral de 2018, originalmente apresentada no Sydney Gay and Lesbian Mardi Gras Festival. Esta comédia com nuances de drama coming-of-age centra-se em Otto Brooks (Jasper Musgrave), um adolescente de 16 anos que escolhe o dia de seu aniversário para revelar sua homossexualidade. Produzido com um orçamento modesto de A$10.000, o filme captura a energia da juventude, as dinâmicas familiares e a busca por identidade em um contexto impregnado de referências à cultura pop. 

O elenco é um dos grandes trunfos do filme. Jasper Musgrave entrega uma performance carismática como Otto, equilibrando vulnerabilidade e otimismo com naturalidade, tornando o protagonista imediatamente cativante. O elenco de apoio, incluindo Wayne Tunks como o pai orgulhoso, Jacinta Moses como a mãe preocupada e Felicity Burke como a avó fã de cultura pop, oferece atuações autênticas que navegam com habilidade entre comédia e emoção.

A estética de “According to Otto" impressiona dentro das limitações de um filme independente. A cinematografia de Nicholas Price, utilizando a Red Monstro VV e filtros Schneider Hollywood Black Magic, cria uma distinção visual clara entre realidade, flashbacks e sequências oníricas, conferindo uma textura rica ao filme. A trilha sonora, curada por Anisha Thomas, reforça o tom jovial com canções que ecoam a energia da adolescência e da cultura pop. A montagem mantém um ritmo envolvente, e os monólogos de Otto, meio “Curtindo A Vida Adoidado”, funcionam como uma ponte eficaz entre o público e sua psique.

Apesar de seus pontos fortes, o filme tem limitações. A leveza da narrativa, embora encantadora, pode frustrar quem busca uma exploração mais profunda de temas como aceitação e identidade. O bullying, representado pelo antagonista Brady Symons (Cooper Mortlock), é tratado de forma caricatural, o que diminui a gravidade do assunto. Além disso, os 85 minutos de duração, embora bem aproveitados, deixam subtramas, como o romance platônico de Otto com seu melhor amigo Max (Brendan Paul), menos desenvolvidas do que poderiam ser.


"According to Otto" é uma celebração calorosa da autenticidade e da alegria de ser quem se é, embalada em uma comédia acessível e sincera. Wayne Tunks, com sua trajetória no teatro e militância pela comunidade LGBTQIA+, cria uma obra que ressoa com públicos diversos, especialmente aqueles que já enfrentaram as incertezas da adolescência. Uma prova do poder do cinema independente em contar histórias que conectam e inspiram.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Quando a Luz Arrebenta (Ljósbrot, Islândia/Países Baixos/Croácia/França, 2024)

Rúnar Rúnarsson entrega em "Quando a Luz Arrebenta" um drama islandês de contenção e potência emocional, centrado no luto e na autodescoberta de Una, uma jovem que enfrenta a perda de um amigo próximo enquanto guarda um segredo íntimo. O filme se destaca pela abordagem minimalista, com longos planos e silêncios que amplificam a dor interna dos personagens.

A narrativa se desdobra em um único dia, acompanhando Una (Elín Hall) após a morte de Diddi, um amigo próximo, em um acidente. O segredo que Una carrega — sua relação amorosa com Diddi, mantida às escondidas devido ao noivado dele com outra mulher — adiciona camadas de complexidade à sua dor. Rúnarsson evita o melodrama, optando por close-ups obsessivos no rosto de Hall, que transmitem um grito contido. A atriz captura a tensão entre o luto público e a angústia privada.

Os aspectos queer do filme, embora sutis, são fundamentais para entender a jornada de Una. A relação entre Una e Diddi, que transcende rótulos tradicionais, sugere uma fluidez emocional e sexual que desafia normas heteronormativas. Rúnarsson não explicita a orientação de Una, mas sua conexão com Diddi, mantida em segredo, ecoa a repressão enfrentada por identidades queer em contextos conservadores. Essa ambiguidade é reforçada pela amizade de Una com Klara, que carrega subtextos de afeto não verbalizado, especialmente em cenas de apoio mútuo no luto.

O filme também reflete sobre a juventude islandesa, usando o microcosmo de Una para explorar temas universais como a pressão social e a busca por identidade. A interação entre os personagens secundários, como os amigos de Una, revela tensões geracionais e a dificuldade de expressar vulnerabilidade em uma cultura que valoriza a estoicidade. A escolha de ambientar a história no verão, com sua luz incessante, cria um contraste irônico com a escuridão emocional dos personagens.

Quando a Luz Arrebenta é um estudo delicado e devastador sobre o luto, a repressão e a autodescoberta, com uma abordagem queer sutil, mas significativa. Rúnarsson equilibra forma e conteúdo com precisão, embora o ritmo contemplativo e a frieza estética possam alienar parte do público. Para aqueles dispostos a mergulhar em sua proposta introspectiva, o filme oferece uma experiência visual e emocional inesquecível, reforçada pela performance magnética de Elín Hall.

domingo, 27 de abril de 2025

On the Go (Espanha, 2023)

“On the Go”, de María Gisèle Royo e Julia de Castro, é um road movie que captura a essência de uma Andaluzia ensolarada, mas também o turbilhão emocional de seus protagonistas. Milagros (interpretada por Julia de Castro), uma DJ de 37 anos, está em um momento crítico: decidir se quer ser mãe, enquanto lida com as últimas chances de fertilidade. Ela foge de um compromisso de inseminação artificial e parte em um Chevrolet Corvair 67 rumo a Sevilha, acompanhada de Jonathan (Omar Ayuso), um jovem gay que busca no Grindr uma forma de lidar com questões de abandono. A jornada ganha um tom surreal com a entrada de La Reina de Triana (Chacha Huang), uma figura enigmática que diz ser uma sereia e redireciona o curso da viagem. Filmado em 16mm, o filme aposta em uma estética crua e tátil, com takes longos que capturam a vastidão das paisagens e a intimidade dos personagens.

Um dos aspectos mais marcantes de “On the Go” é sua exploração queer, que permeia tanto a narrativa quanto os personagens. Jonathan, vivido por um carismático Omar Ayuso, representa uma geração queer que busca conexão em aplicativos como o Grindr, mas também lida com traumas de abandono. Sua relação com Milagros é complexa: ela chega a usar a conta dele no app para encontrar um doador de esperma, levantando questões éticas sobre consentimento e amizade. O filme não julga seus personagens, mas os apresenta com uma honestidade crua, mostrando como a identidade queer de Jonathan e a busca de Milagros por autonomia desafiam normas heteronormativas. A presença de La Reina de Triana, uma figura que transcende categorias de gênero e nacionalidade, reforça a ideia de um mundo onde as regras tradicionais não se aplicam, celebrando a fluidez e a liberdade.

A trilha sonora, repleta de música e dança que evocam as tradições do flamenco andaluz, é outro ponto alto, funcionando como um fio condutor emocional. A escolha de ambientar o filme na Andaluzia, com suas paisagens que remetem a um faroeste moderno, adiciona uma camada de simbolismo: é um território de liberdade, mas também de confronto com o passado e o futuro. Milagros e Jonathan, em sua jornada, parecem estar fugindo tanto quanto buscando algo, e o filme captura essa dualidade com sensibilidade. A fotografia em 16mm, com seu grão característico, intensifica a sensação de nostalgia e urgência, como se os personagens estivessem vivendo um último suspiro de juventude.

“On the Go” se destaca como uma obra subversiva que dialoga com a tradição de filmes independentes e queer, como os primeiros trabalhos de Pedro Almodóvar, mas com uma perspectiva feminista e moderna. Ele venceu prêmios como o Panorama Spain no Festival Internacional de Cine de Las Palmas e recebeu menções especiais em Locarno e Valladolid, o que atesta seu impacto no circuito de festivais. Pode ser uma joia bruta: imperfeito, sim, mas pulsante com vida, emoção e uma visão única sobre amizade, desejo e autodescoberta. É um convite a abraçar a estrada, com todas as suas curvas e incertezas.


sábado, 26 de abril de 2025

O que é Camp? Exagerando com Estilo no Cinema Queer


No mundo do camp, o exagero é realeza, a ironia é diva suprema e o artificial brilha mais que strass de brechó! Camp é a estética do "tô nem aí pra sutileza": figurinos que gritam, diálogos que riem e choram, e uma subversão que pisca pro público. Nasceu nas margens, no coração queer, como arma de resistência, transformando o "fracasso" em arte e o excesso em liberdade. Susan Sontag tentou explicar isso em Notes on Camp (1964), mas o camp é mais que teoria — é um jeito de viver, criar e desafiar normas com muito estilo. No cinema queer, é a faísca que explode em cores, risadas e emoções. 


O CAMP É QUEER

Por que o camp é tão queer? Porque ele dá um shade nas normas, pega estereótipos e faz um rebolado com eles, criando espaços onde a diferença é rainha. É a estética da marginalidade, que transforma o "erro" em charme e o excesso em poder. Pense na cultura drag: perucas que desafiam a gravidade, makes que contam histórias e performances que riem do binarismo. No cinema queer, o camp é liberdade pura, deixando histórias e personagens brilharem fora da curva.

Camp no Cinema Queer: Onde ele brilha?

No cinema, o camp é uma explosão de purpurina: figurinos extravagantes, cenários que gritam "sou fake e divo", diálogos melodramáticos e atuações que sabem que são um espetáculo. Pode ser intencional, como provocação artística, ou acidental, como filmes B que viram cult por seu charme "tosco". No cinema queer, o camp é onde a comunidade se joga, resiste e dá risada.

Características:

  • Visual: Cores berrantes, figurinos over, cenários artificiais.

  • Narrativa: Tragédia e comédia num liquidificador, com um toque de absurdo.

  • Tom: Ironia que pisca e diz “tô sendo extra e você ama”.

Exemplos icônicos:

  • The Rocky Horror Picture Show (1975): Musical sci-fi queer com Dr. Frank-N-Furter reinando em corsets e atitude camp.

  • John Waters e Divine: Pink Flamingos (1972) é o camp no modo hardcore, com humor transgressor e estética crua.

  • Pedro Almodóvar: Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988) mistura melodrama, cores vivas e um deboche camp.

  • Nunca Fui Santa (1999): Uma comédia queer que debocha da heteronormatividade, com Natasha Lyonne e RuPaul em um acampamento de “cura gay” cheio de cores pastel exageradas, ironia e um romance lésbico que lacra.

  • Cinema contemporâneo: Everything Everywhere All At Once (2022), com seu maximalismo emocional e visual, e Bros (2022), uma comédia romântica queer que flerta com o camp em seus momentos de exagero emocional e referências pop irônicas.

  • Priscilla a Rainha do Deserto (1994) e narrativas Drag: Drag Queens sempre são Camp e vem ganhando cada vez mais destaque no cinema, com storytellings que vão do terror ao romance.



  • Nacionais:

    • A Rainha Diaba (1974): Milton Gonçalves diva como a Rainha Diaba, reinando no crime com figurinos exagerados e uma performance que subverte raça, gênero e moralidade.

    • Tatuagem (2013): Hilton Lacerda traz o camp em tons nordestinos, com teatro queer e uma Recife dos anos 70 vibrante.

    • Dzi Croquettes (2009): O doc sobre o grupo teatral usa plumas, purpurina e ironia pra desafiar a ditadura com camp subversivo.


Camp no Terror Queer: O camp no terror queer transforma o medo em uma festa de exageros. Em Salome's Last Dance (1988), Ken Russell leva o camp ao extremo com uma adaptação de Oscar Wilde que é pura decadência, com figurinos opulentos e uma vibe teatral que ri da moralidade vitoriana. Verão Fantasma (2022), de Matheus Marchetti, é um pesadelo tropical brasileiro, misturando horror, musical e romance queer com cores de giallo italiano e uma melancolia camp que abraça os fantasmas. Faca no Coração (2018), de Yann Gonzales, mergulha no universo pornô gay dos anos 70, com assassinatos, cores saturadas e um melodrama que faz o terror virar ópera queer. O camp aqui usa o exagero visual (sangue, glitter, figurinos) e a ironia pra subverter o medo, celebrando a diferença com estilo.

Conclusão: Camp, Kitsch e a Magia do Exagero

Por que o camp é tudo? Porque é resistência disfarçada de festa, um jeito de celebrar a diferença e rir das convenções com muito close. No cinema queer, ele cria mundos onde a gente se vê, se joga e desafia o sistema. E o kitsch? É o primo ingênuo do camp, o exagero brega que não sabe que é brega (pense em bibelôs de avó ou novelas mexicanas). Já o camp é esperto, pisca e diz “sou brega e sou divo”. O kitsch vira camp quando abraçado com ironia, como na vibe de A Rainha Diaba. No Brasil, Dzi Croquettes misturou o kitsch tropical com um camp subversivo que abalou a ditadura. Quer sentir essa energia? Mergulha nesses filmes e acha o camp em cada pluma, cada gritaria. 



sexta-feira, 25 de abril de 2025

Drive Back Home (Canadá, 2024)


 "Drive Back Home", dirigido por Michael Clowater, é um drama canadense que combina a estética introspectiva de um road movie com uma narrativa profundamente pessoal sobre família, trauma e reconciliação. Ambientado em 1970, o filme acompanha os irmãos Perley e Weldon em uma viagem de carro de Toronto a New Brunswick, inspirada em eventos reais da vida do diretor. Apesar do orçamento modesto, a produção se destaca pela autenticidade emocional e pela habilidade de transformar uma premissa simples em uma jornada rica em camadas. A escolha do inverno canadense como pano de fundo reforça o tom melancólico, com a fotografia de Stuart Campbell capturando a beleza gélida e desoladora das estradas.

Alan Cumming é o coração pulsante do filme, entregando uma atuação magistral como Perley, o irmão gay mais velho, cuja extravagância esconde cicatrizes de rejeição e preconceito. Cumming equilibra humor e vulnerabilidade com precisão, especialmente nas interações com seu cão empalhado, Brownie, que serve como um símbolo tocante de sua solidão. Sua química com Charlie Creed-Miles, que interpreta Weldon, o irmão mais jovem e reservado, é eletrizante, sustentando o filme mesmo em momentos de diálogo escasso. A dinâmica entre os dois reflete anos de distância e mágoas não ditas, com Cumming brilhando ao revelar as camadas de um homem que usa o charme como armadura.

A direção de Clowater é contida, mas eficaz, permitindo que os silêncios e os olhares dos personagens contem tanto quanto os diálogos. O roteiro, coescrito por Clowater e Danny Thebeau, acerta ao evitar melodramas exagerados, optando por uma abordagem realista que dá espaço para os atores brilharem. No entanto, o filme ocasionalmente cai em clichês de road movies, como paradas em motéis e conversas que parecem forçadas para avançar a trama. Apesar disso, a narrativa mantém um ritmo envolvente, com momentos de humor leve que aliviam a tensão, como as tiradas sarcásticas de Perley sobre a vida no interior.

A trilha sonora, composta por canções folk e instrumentais minimalistas, complementa a atmosfera introspectiva, enquanto o design de produção recria com cuidado a estética dos anos 70, dos carros antigos às roupas desbotadas. O filme também aborda, com sutileza, questões de identidade e aceitação, especialmente na forma como Perley enfrenta o conservadorismo da época. Embora o orçamento limite a escala de algumas cenas, a equipe criativa compensa com escolhas inteligentes, como o uso de cenários naturais para amplificar a sensação de isolamento.

"Drive Back Home" é uma obra pequena, mas poderosa, que encontra beleza na imperfeição e na humanidade de seus personagens. A atuação de Alan Cumming eleva o filme a um patamar especial, transformando Perley em uma figura inesquecível, ao mesmo tempo trágica e vibrante. Apesar de alguns deslizes narrativos, a sinceridade da história e a força do elenco fazem deste um recado que, mesmo nas estradas mais frias, o calor de uma conexão genuína pode mudar tudo.

quinta-feira, 24 de abril de 2025

Dreams (Drømmer, Noruega, 2024)


"Dreams", dirigido por Dag Johan Haugerud, conquistou o Urso de Ouro na Berlinale 2025, um feito histórico para o cinema norueguês que coroa o talento de um cineasta já reconhecido por sua sensibilidade. Encerrando a trilogia iniciada com "Sex" e seguida por "Love", o filme mergulha na complexidade do primeiro amor com uma narrativa delicada e introspectiva, em primeira pessoa. O filme é centrado na jovem Johanne (Ella Øverbye) e sua paixão avassaladora por sua professora de francês, Johanna (Selome Emnetu).

A narrativa em primeira pessoa é o cerne de "Dreams", com Johanne guiando o público por meio de voice-overs que ecoam sua prosa confessional. Esse recurso, que poderia soar excessivo, é manejado com precisão por Haugerud, transformando os pensamentos da protagonista em uma janela para sua vulnerabilidade. Um coming-of age não convencional sobre a introspecção da adolescente, que oscila entre fascínio e dúvida e cria um clima melancólico que permeia o filme.

Os aspectos queer de "Dreams" são tratados com uma sutileza que evita rótulos, um dos grandes trunfos do filme. Johanne não se identifica explicitamente como queer, e Haugerud questiona a necessidade de categorizações ao mostrar sua resistência quando a mãe, Kristin (Ane Dahl Torp), tenta enquadrar sua experiência como um “despertar LGBTQIA+”. A atração por Johanna, uma figura boêmia e enigmática, é retratada com sensualidade contida.

A dinâmica familiar amplia a narrativa, trazendo conflitos geracionais que enriquecem o tom introspectivo. Kristin, a mãe solteira, lê o romance de Johanne com alarme, temendo abuso, enquanto a avó, Karin (Anne Marit Jacobsen), uma poeta de espírito livre, enxerga valor literário na escrita da neta. As atuações são impecáveis: Øverbye entrega uma Johanne frágil e intensa, enquanto Torp e Jacobsen constroem personagens complexas, marcadas por suas próprias frustrações.

Como encerramento da trilogia Sex, Dreams, Love, "Dreams" é o capítulo mais acessível emocionalmente, embora mantenha o estilo verborrágico e cerebral de Haugerud. Diferentemente de "Sex", que explora a fluidez sexual masculina, e "Love", focado em encontros casuais, "Dreams" volta ao primeiro amor, mas com uma perspectiva feminina e queer que dialoga com a Noruega contemporânea – um país igualitário, mas onde o desejo ainda enfrenta barreiras sutis.

"Dreams" não entrega respostas fáceis. Sua força está em abraçar a ambiguidade do desejo e da escrita como formas de autocompreensão. É uma obra que ressoa com a paixão por narrativas que desafiam normas com uma cadência escandinava contida e reflexiva. A vitória do Urso de Ouro não é apenas um reconhecimento da qualidade de "Dreams", mas um convite para revisitar a trilogia inteira, que, com suas conversas francas sobre sexo, amor e sonhos, oferece um espelho para as angústias e liberdades do nosso tempo.

"CAIAM AS ROSAS BRANCAS!": ALBERTINA CARRI CHEGA AO BRASIL COM DRAMA ERÓTICO E MISTÉRIO, DIA 15 DE MAIO

Quem curte um cinema que não tem medo de ousar, anota na agenda: Caiam as Rosas Brancas!, novo filme da argentina Albertina Carri, desembarca nos cinemas brasileiros em 15 de maio, com distribuição da Boulevard Filmes e Vitrine Filmes. O longa, que mistura drama erótico, metamorfose narrativa e um pé na desconstrução, teve estreia mundial no Festival de Roterdã, onde disputou a competição Big Screen. Gravado entre São Paulo e Ilhabela, o filme traz a brasileira Renata Carvalho (Os Primeiros Soldados) no elenco e Carolina Alamino, que também assina o roteiro com Carri e Agustín Godoy, como protagonista.

Sinopse

Violeta é uma jovem diretora de cinema que fez um filme pornô amador lésbico com um grupo de amigas. Após o sucesso do projeto, ela é contratada para dirigir um pornô popular. No entanto, suas ideias cinematográficas e sexuais sobre sistemas de gênero a impedem de concluir as filmagens, e ela foge com sua equipe de Buenos Aires para São Paulo. Sua jornada a leva a uma ilha misteriosa onde o cinema se dissolve e a vida se torna a única história possível.

Um cinema que se transforma como borboleta

Albertina Carri, que já nos presenteou com pérolas como As Filhas do Fogo (2018) e Géminis (2005), não tem medo de arriscar. Aqui, ela parte de uma ideia do filósofo Simón Rodríguez – “ou inventamos, ou fracassamos” – pra criar um filme que é quase um ser vivo. A história começa com um grupo de mulheres filmando um pornô caseiro, mas logo vira uma jornada de autodescoberta, cheia de mistérios e reflexões sobre gênero e desejo. Como a própria Carri diz, é como um verme que vira borboleta: “Um inseto que não voa. Até que voa!”.

O filme carrega uma energia queer que parece equilibrar provocação e leveza, misturando gêneros cinematográficos como quem troca de pele. E tem um toque brasileiro especial: além das locações em São Paulo e Ilhabela, a coprodução com a Quarta-feira Filmes traz um tempero local que deixa tudo mais interessante.


Elenco que brilha

Carolina Alamino, que já trabalhou com Carri em As Filhas do Fogo (e também era uma Violeta, olha a coincidência!), comanda a tela com intensidade. Ao lado dela, temos a argentina Laura Paredes (Argentina 1985), a espanhola Luisa Gavasa (que já esteve em Maus Hábitos, do Almodóvar!) e a nossa Renata Carvalho, que dispensa apresentações com seus papéis em Vento Seco e Salomé. É um time que entrega tudo, da vulnerabilidade à potência.

Por que assistir?

Se você curte um cinema que foge do óbvio, que mistura erotismo, mistério e um olhar decolonial, Caiam as Rosas Brancas! é pra você. É como se Albertina Carri pegasse a energia de As Filhas do Fogo, jogasse um toque de road movie queer e um mistério à la David Lynch, mas com aquele calor latino que a gente ama. E, claro, tem Renata Carvalho no elenco – motivo suficiente pra correr pro cinema.

O filme chega com apoio do Governo do Estado de São Paulo, Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, Governo Federal e Ministério da Cultura, via Lei Paulo Gustavo. Então, marque 15 de maio no calendário e vem se jogar nessa jornada onde o cinema vira vida – e vice-versa.



quarta-feira, 23 de abril de 2025

Looking for Langston (Reino Unido, 1989)

Em 1989, Isaac Julien, um dos gigantes do cinema queer e negro, lançou Looking for Langston, um curta experimental de 45 minutos que é puro êxtase visual e emocional. Homenageando Langston Hughes, poeta da Renascença do Harlem, o filme não é uma biografia convencional, mas uma meditação poética sobre identidade negra, desejo homoerótico e resistência. Misturando imagens de arquivo, performances estilizadas e poesia, Julien cria uma colagem que pulsa com a energia de quem se recusa a ser silenciado.

A narrativa de Looking for Langston é deliberadamente fragmentada, como um sonho febril. Julien entrelaça cenas de um clube noturno dos anos 20, onde homens negros dançam e se desejam, com imagens de arquivo do Harlem e leituras de poemas de Hughes e Essex Hemphill. O desejo queer, muitas vezes oculto na vida de Hughes, ganha vida em olhares intensos e toques furtivos, filmados em preto e branco com uma sensualidade dilacerante. É impossível não se arrepiar com a coragem de Julien ao reivindicar Hughes como ícone queer, desafiando a censura que tentou apagar essa faceta do poeta.

A estética do filme é um personagem por si só. A fotografia de Nina Kellgren transforma cada quadro em uma pintura, com sombras dramáticas e corpos iluminados que evocam tanto Caravaggio quanto a nightlife underground. A trilha sonora, que mistura jazz, blues e batidas eletrônicas, cria uma ponte entre o Harlem dos anos 20 e a Londres queer dos anos 80, onde Julien militava com o coletivo Sankofa. 


Mas Looking for Langston não é só beleza; é também um soco político. Lançado durante a crise da AIDS e a repressão da era Thatcher, o filme enfrenta a homofobia e o racismo que sufocavam as comunidades negras e queer. A poesia de Hemphill, recitada com urgência, fala de corpos marginalizados que encontram refúgio no desejo. Julien não romantiza: cenas de violência policial invadem o idílio do clube, lembrando que o amor queer sempre foi um ato de resistência. É uma narrativa que ressoa com nosso 2025, onde a luta por visibilidade ainda urge.

O impacto de Looking for Langston vai além de seus 45 minutos. O filme abriu portas para o New Queer Cinema e inspirou cineastas como Cheryl Dunye e Barry Jenkins, que também exploram a interseccionalidade. No entanto, sua história não foi sem obstáculos: a família de Hughes tentou censurar o filme, temendo a exposição da sexualidade do poeta. Julien, como verdadeiro rebelde, transformou essa resistência em combustível, entregando uma obra que é tanto tributo quanto provocação.