sexta-feira, 30 de maio de 2025

The Beast Of Walton St. (EUA, 2023)


 “The Beast of Walton St.", de Dusty Austen, é um terror indie que combina elementos clássicos de lobisomem com uma narrativa socialmente consciente. Ambientado em uma cidade de Ohio, o filme acompanha Constance (Athena Murzda) e Sketch (Mia Jones), duas mulheres sem-teto que enfrentam uma criatura sobrenatural que caça os desabrigados. Austen, que também escreveu o roteiro, entrega uma obra que transcende o horror puro, usando o monstro como uma metáfora para a marginalização e o abandono social, especialmente de comunidades vulneráveis como a LGBTQIA+. A escolha de centrar a história em personagens raramente vistos como protagonistas  é uma das maiores potências do filme.

As atuações de Murzda e Jones pulsam na produção. A química entre elas é autêntica, construindo um vínculo de irmandade que ecoa filmes como “Ginger Snaps”. Seus diálogos, muitas vezes improvisados, trazem uma naturalidade que compensa os momentos em que o roteiro escorrega em exposições desnecessárias. A dinâmica entre Constance, mais pragmática, e Sketch, impulsiva e carismática, dá profundidade emocional à trama, tornando o público investido em sua sobrevivência.

Visualmente, “The Beast of Walton St.” impressiona dentro de seu baixo orçamento. Os efeitos práticos do lobisomem, inspirados em clássicos como “An American Werewolf in London", são surpreendentemente bem-executados, com transformações sangrentas que capturam a essência do subgênero.

A trilha sonora, composta por artistas independentes, complementa a estética crua do filme, com faixas que misturam rock alternativo e sons ambientes para criar uma atmosfera inquietante. Austen faz escolhas ousadas ao integrar músicas que refletem a subcultura punk das protagonistas, reforçando a identidade marginal de Constance e Sketch.

Onde “The Beast of Walton St.” realmente acerta é na sua mensagem social. Ao colocar pessoas sem-teto no centro da narrativa, Austen expõe a indiferença da sociedade e as falhas sistêmicas que perpetuam a exclusão. O lobisomem, embora assustador, é quase secundário diante da verdadeira ameaça: a negligência humana. Essa abordagem torna o filme não apenas um exercício de terror, mas também um comentário sobre empatia e resistência.

quinta-feira, 29 de maio de 2025

On Swift Horses (EUA, 2025)

“On Swift Horses", de Daniel Minahan, é uma adaptação do romance de Shannon Pufahl que mergulha nas complexidades do desejo, da identidade e da busca por liberdade no contexto da América dos anos 1950. Com uma narrativa que entrelaça as vidas de Muriel (Daisy Edgar-Jones), Julius (Jacob Elordi) e Henry (Diego Calva), o filme explora as tensões de uma sociedade repressiva, onde as convenções sociais sufocam aspirações pessoais. Minahan, conhecido por dirigir dramas de época há mais de 20 anos, é um dos responsáveis pela direção de "Fellow Travellers(2023)".

A trama segue Muriel, uma jovem recém-casada que se muda para a Califórnia com seu marido, Lee (Will Poulter), mas se vê atraída pelo mundo das corridas de cavalos e por uma conexão inesperada com Julius, o irmão de Lee, um ex-soldado com segredos próprios. Paralelamente, Julius embarca em uma jornada de autodescoberta em Las Vegas, onde conhece Henry, um misterioso jogador. Minahan utiliza essas histórias cruzadas para explorar temas de marginalidade e desejo reprimido, especialmente no contexto da homossexualidade e da independência feminina em uma era de conformismo.

A força de “On Swift Horses" reside em suas atuações. Daisy Edgar-Jones entrega uma performance contida, mas poderosa, capturando a luta interna de Muriel entre o dever e o desejo sáfico. Jacob Elordi, bastante descamisado, traz uma sensualidade melancólica a Julius, enquanto Diego Calva infunde Henry com um charme enigmático que mantém o espectador intrigado. A química entre Calva e Elordi explode em cenas de sexo com intensidade e paixão.

Visualmente, o filme é impressionante. A cinematografia de David Franco evoca tanto o glamour quanto a decadência dos cenários de corridas e cassinos. A trilha sonora, composta por Max Richter, complementa a narrativa com uma melancolia que sublinha os conflitos internos dos personagens, embalada por uma playlist para adoradores de rock, jazz e blues dá década de 50, com Linda Brannon, Chuck Higgins, June Christy, Loren Kramar, que canta os temas originais do filme, e muitos outros.
 

Um dos principais méritos do filme é sua abordagem corajosa à sexualidade e gênero, especialmente considerando o período retratado. A relação entre Julius e Henry é tratada com sensibilidade, evitando estereótipos, enquanto a jornada de Muriel reflete as limitações impostas às mulheres da época. Contudo, o roteiro, adaptado por Bryce Kass, às vezes se apoia demais em simbolismos óbvios, como as corridas de cavalos representando liberdade, o que não é ruim, já que encaixa bem no material proposto..


“On Swift Horses" é um drama de época ambicioso que brilha em suas performances e estética. Minahan entrega um filme que é, ao mesmo tempo, visualmente envolvente e emocionalmente ressonante. O longa  oferece uma experiência única que provoca reflexão sobre os custos da identidade em um mundo que exige conformidade.


O Rei das Rosas (Der Rosenkönig, Alemanha Ocidental/França/Países Baixos/Portugal, 1986)


O Rei das Rosas, de Werner Schroeter, é uma obra-prima do cinema experimental alemão, impregnada de uma sensibilidade queer que desafia convenções narrativas e sociais. Ambientado em um vilarejo português, o filme segue Albert, um jovem obcecado por cultivar rosas, cuja relação intensa com sua mãe, Anna, e sua paixão por um prisioneiro misterioso formam o cerne da trama. O homoerotismo permeia a narrativa, expresso na devoção quase mística de Albert ao prisioneiro, que transcende a mera atração física para se tornar um ritual de desejo e alienação. Schroeter, um ícone do cinema de vanguarda, usa o isolamento rural e a simbologia das rosas para explorar a interseção entre amor, loucura e repressão, criando um estudo visual sobre a complexidade do desejo humano em um contexto de tabus sociais.

A narrativa de O Rei das Rosas é deliberadamente fragmentada, rejeitando a linearidade em favor de um mosaico onírico que prioriza sensações sobre coerência. A trama se desdobra em uma série de vinhetas que misturam rituais, memórias e alucinações, centradas na tríade de Albert, Anna e o prisioneiro. O vilarejo português, com sua atmosfera isolada e quase atemporal, serve como um microcosmo para os conflitos internos dos personagens, onde o desejo e a loucura se entrelaçam em atos de violência e devoção.

A estética de O Rei das Rosas é um dos seus maiores triunfos, marcada por um visual febril que define o estilo de Schroeter. A fotografia de Wolfgang Pilgrim utiliza cores saturadas, com vermelhos intensos das rosas contrastando com sombras escuras, criando um ambiente que oscila entre o sagrado e o profano. Cada quadro é cuidadosamente composto, com rosas, sangue e corpos humanos entrelaçados em uma dança visual que evoca tanto beleza quanto decadência.

O Rei das Rosas permanece uma obra atemporal, um poema visual que desafia categorizações e continua a ressoar com públicos que buscam narrativas queer ousadas. Schroeter cria um universo onde o homoerotismo é tanto uma força libertadora quanto destrutiva, entrelaçado com temas de alienação e transcendência. A fusão de desejo, loucura e beleza faz do filme um marco do cinema avant-garde, que exige entrega do espectador, mas recompensa com sua profundidade emocional.


quarta-feira, 28 de maio de 2025

Aichaku (Japão, 2024)

"Aichaku", dirigido pela dupla Raito Nishizaka e Michael Williams, mergulha nas complexidades da identidade e da conexão humana. Ambientado na zona rural de Chiba, no Japão, o filme acompanha Lucas (Christopher McCombs), um professor americano de inglês, e Ken (Christopher Nishizawa), um jovem meio-japonês que trabalha na construção civil, ao longo de três dias que transformam suas perspectivas sobre pertencimento.

Com uma narrativa minimalista, a obra se destaca pela honestidade emocional e pela habilidade de extrair profundidade de momentos aparentemente simples. A decisão de Nishizaka e Williams de co-dirigirem, cada um trazendo a perspectiva cultural de um dos protagonistas, adiciona uma camada de equilíbrio étnico que enriquece a história, tornando-a um estudo sensível sobre as interseções entre o estrangeiro e o local.

A cinematografia é outro aspecto notável, com a paisagem rural de Chiba servindo como um personagem por direito próprio. As cenas são filmadas com uma paleta suave e enquadramentos que destacam a beleza melancólica de construções antigas e campos abertos. A escolha de ambientar o longa em locais com uma estética desgastada reforça a sensação de personagens que buscam renovação em meio à monotonia.

A trilha sonora, inspirada nos anos 1950, é um acerto criativo que adiciona charme e nostalgia ao longa. As catorze canções originais, incluindo faixas de Ananda Jacobs e Fossilize, complementam a estética retrô dos cenários e aprofundam a carga emocional da história. O sucesso de “A Feeling I Get” e “Holding on to You” nas paradas japonesas do iTunes evidencia a qualidade e o apelo da música, que se integra organicamente à narrativa sem roubar a cena.

O roteiro da estrela Christopher McCombs, baseado em suas próprias experiências de quinze anos vivendo no Japão, confere ao filme uma personalidade que ressoa profundamente. A transição de um curta-metragem para um longa permitiu explorar as nuances dos personagens, embora a narrativa, centrada em apenas três dias, ocasionalmente pareça limitada para desenvolver uma ro-com.

Em suma, "Aichaku" é uma pérola que brilha pela sua sinceridade e atenção aos detalhes. A colaboração entre Nishizaka, Williams e McCombs, combinada com o financiamento via crowdfunding, reflete o espírito apaixonado por trás do projeto. O filme não tenta ser grandioso, mas, na sua simplicidade, encontra uma beleza universal.

terça-feira, 27 de maio de 2025

Pee-wee Herman - Por Trás do Personagem (Pee-Wee as Himself, EUA, 2025)

 Pee-wee as Himself, de Matt Wolf, um documentário em duas partes da HBO estreado em Sundance 2025, é um mergulho vibrante, porém melancólico, na vida de Paul Reubens, o gênio por trás de Pee-wee Herman. Usando 40 horas de entrevistas cruas e um rico arquivo pessoal, Wolf traça um retrato de um homem que era tanto um ícone cultural quanto um enigma privado. Da infância no interior de Nova York à criação do excêntrico Pee-wee, de gravata vermelha, o filme acompanha sua ascensão com Pee-wee’s Big Adventure e Pee-wee’s Playhouse, capturando sua habilidade de misturar um encanto infantil com humor subversivo. No entanto, é a tensão entre Reubens e Wolf — evidente na relutância de Reubens em ceder o controle da narrativa — que dá ao filme seu pulso, enquanto ele lida com o quanto revelar de si, já sabendo de seu câncer mas sem revelar aos cineastas.

O documentário não foge das complexidades de Reubens, especialmente sua vida como homem gay que, por grande parte da carreira, permaneceu no armário para proteger sua fama. Essa escolha é ilustrada de forma comovente por sua decisão de terminar um relacionamento significativo para manter sua persona pública. O filme aborda o incidente de 1991, quando Reubens foi preso por atentado ao pudor em um cinema pornográfico, um escândalo que descarrilou sua carreira e o rotulou,  apesar de suas negativas.

O que torna Pee-wee as Himself especialmente ressonante para o público queer é a celebração de Pee-wee’s Playhouse como um refúgio de alegria extravagante. O programa era um caleidoscópio de cores e camp, com participações de estrelas como Cher, Grace Jones e Little Richard, cujas personas grandiosas exalavam uma queerness que falava diretamente a qualquer criança que se sentisse diferente. Para jovens queer, o Playhouse era um espaço seguro, um mundo onde a excentricidade reinava e todos eram convidados para a festa.
A força do filme está em seu material bruto: as reflexões sinceras e muitas vezes espirituosas de Reubens, combinadas com vídeos caseiros e imagens de bastidores, criam um mosaico íntimo de sua vida. A decisão de Wolf de incluir perspectivas de amigos e colaboradores adiciona textura, mas às vezes dilui o foco em Reubens. A ausência de uma resolução definitiva, especialmente após a morte do artista em 2023, deixa o filme com um tom mais melancólico do que inspirador.

Apesar dessas falhas, Pee-wee as Himself é um tributo fascinante a um homem que transformou suas peculiaridades em arte. O filme captura a genialidade de Reubens ao criar um personagem que era ao mesmo tempo universalmente amado e profundamente pessoal, uma figura que fez uma geração de outsiders se sentir vista. O documentário não desvenda completamente o enigma de Paul Reubens, mas não precisa — seu legado, da exuberância extravagante do Playhouse à sua resiliência silenciosa, fala por si. Para fãs e novos públicos, é um lembrete agridoce de como o mundo de Pee-wee convidou todos a abraçar seu lado esquisito, mesmo que o próprio Reubens tenha lutado para fazer o mesmo.

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Les Ailes Collées (França, 2025)


Thierry Binisti, com sua assinatura delicada e politicamente engajada, entrega em “Les ailes collées”, um telefilme para a France 2, adaptado do premiado romance homônimo de Sophie de Baere. O filme mergulha no amor adolescente entre Paul (Max Libert) e Joseph (Alexis Rosenstiehl), dois jovens que, no verão de 1983, encontram um no outro a luz em meio à solidão, apenas para serem dilacerados pela violência homofóbica e pelo bullying escolar. A narrativa, escrita por Alain Layrac e Alexis Bayet, é um mosaico temporal que alterna entre a vivacidade colorida do passado e a frieza melancólica do presente, capturando a essência de um trauma que ressoa por décadas. Este não é apenas um filme sobre amor proibido; é uma denúncia vibrante da intolerância e das cicatrizes que ela deixa.

A história começa no presente, no dia do casamento de Paul (Roby Schinasi), quando a inesperada chegada de Joseph (Jeremy Kapone), reacende memórias de um verão que marcou suas vidas. Binisti, com sua câmera sensível, constrói um contraste poderoso entre as cenas quentes e alaranjadas do passado — nadar no rio, passeios de ciclomotor, jazz tocando ao fundo — e o tom frio do presente, onde os olhares de Paul e Joseph traem um amor que nunca morreu, apesar dos anos e dos casamentos. A trilha sonora, com composições originais de Jean-Gabriel Becker e outras como I Was Telling Him About You de Carol Sloane, é um personagem à parte, amplificando a ternura e a dor que permeiam a narrativa.

O passado, porém, não é só romantismo. É também o palco de uma violência crua, personificada por Richard (Hugo Attard), que lidera um assédio homofóbico brutal contra Paul e Joseph após um beijo descoberto. A cena em que um triângulo rosa é pregado nas costas de Paul, ecoando as atrocidades do Holocausto, é de uma força visual devastadora, sublinhando a crueldade da masculinidade tóxica normalizada na época. O filme não poupa o espectador. A atuação de Max Libert, premiada no Festival de Luchon ao lado de Alexis Rosenstiehl, é de uma vulnerabilidade esmagadora.

Binisti, não se contenta em contar uma história de amor interditada. Ele questiona as estruturas sociais que perpetuam a violência, da indiferença institucional — a escola que ignora o bullying com o clássico “palavra contra palavra” — às atitudes machistas do pai de Paul (Julien Tortora), que reflete os preconceitos de uma era marcada pelo início da epidemia de AIDS. As mulheres, como a mãe de Joseph (Constance Dollé), também sofrem sob o peso dessas normas, exilando o filho para protegê-lo.

"Les ailes collées" é, acima de tudo, um filme sobre o peso do silêncio e a luta para libertar as “asas presas”. A metáfora da borboleta, debatendo-se contra um lustre em busca de luz, encapsula a jornada de Paul e Joseph, que carregam seus traumas como um fardo invisível. O reencontro no presente, carregado de olhares que dizem mais do que palavras, é um lembrete da força de um amor que resiste ao tempo e à adversidade. O filme, exibido no Dia Internacional Contra a Homofobia, é um convite à reflexão sobre como a sociedade falha com seus jovens e como o amor, mesmo proibido, pode ser um ato de resistência.

domingo, 25 de maio de 2025

And Someone Else (En iemand anders, Países Baixos, 2025)

Como já dizia Tolstói em "Anna Karenina", "todas as famílias felizes são iguais, mas as infelizes o são cada uma à sua maneira". Em "And Someone Else", Vincent Tilanus disseca essa verdade com uma história que mistura amor, segredos e tensões queer. O filme começa com uma festa holandesa no quintal, onde Tommy (Pier Bonnema), recém-formado, lida com o término de um namoro. Sua dor, porém, não encontra eco no pai Abel (Rienus Krul), um homem prático que desconversa: "essas coisas acontecem". A mãe Lieke (Hanneke Scholten), por outro lado, é seu porto seguro, mas insiste que ele trabalhe na carpintaria do pai no verão.


A aparente harmonia familiar desmorona quando Tommy, ao mexer nos e-mails do pai, descobre que Abel tem um caso com outro homem, uma antiga paixão. Um adolescente gay confrontando a hipocrisia paterna em um contexto onde ele próprio busca aceitação. Mas Tilanus opta por uma abordagem contida, sem os fogos de artifício psicológicos que a premissa promete. A tensão entre pai e filho, que poderia explodir em um confronto abrasivo, fica no limbo, com diálogos que não decolam e uma conexão emocional que não se concretiza.


As atuações refletem essa contenção. Rienus Krul entrega um Abel enigmático, com um tormento psicológico que lembra Paul Giamatti, enquanto Pier Bonnema, como Tommy, parece preso em sua própria serenidade, com falas que saem sem inspiração. Quem brilha é Hanneke Scholten como Lieke: sua tristeza ao descobrir o segredo do marido, marcada por um "ok" carregado de entonação, é o ápice emocional do filme. A atuação dela carrega a atmosfera pequeno-burguesa que o filme tenta construir, com clichês de "vai ficar bem" que famílias problemáticas repetem como mantra.


A direção de Tilanus é sóbria, com uma decupagem que privilegia o conteúdo sobre o espetáculo visual. A Holanda retratada aqui é sufocante em sua contenção emocional, mas é exatamente essa austeridade que dá ao filme sua autenticidade. A trilha sonora, sutil e sem ditar emoções, reforça as tensões subjacentes, enquanto a falta de música em momentos-chave, como a construção de uma coleção de discos entre pai e filho, deixa um vazio que poderia ter sido preenchido por mais expressão. É um filme que observa, mas não se aprofunda.

"And Someone Else" levanta questões interessantes para o público queer: como um adolescente gay lida com a descoberta de que o pai, que mal o apoia, também é queer? E o que isso diz sobre as diferenças entre a Geração Z e os "boomers"? Tilanus não toma lados, mas também não aprofunda essas reflexões. Tommy, que deveria ser o centro emocional, permanece raso, sem amigos ou momentos de liberdade que mostrem sua luta interna.

No fim, "And Someone Else" é um drama que faz perguntas sem oferecer respostas fáceis, o que pode ser frustrante para quem busca catarse. O gesto final de Tommy, ao tentar seguir seu caminho, chega tarde demais e sem preparo, como se Tilanus percebesse a falta de um arco de amadurecimento e tentasse corrigi-la às pressas. É uma obra que toca pela sua humanidade falha, mas que poderia ter ido além na exploração de suas camadas emocionais.

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Rua do Medo: Rainha do Baile (Fear Street: Prom Queen, EUA, 2025)

Em "Rua do Medo: Rainha do Baile", a cidade amaldiçoada de Shadyside volta a ser palco de horrores em 1988. Na Shadyside High, dirigida por uma contida Lily Tailor, o baile de formatura está a todo vapor, e as "it girls" competem ferozmente pela coroa de Rainha do Baile. Mas com a chegada de Lori (India Fowler), que carrega nas costas o passado da sua mãe, as concorrentes começam a desaparecer misteriosamente, e a noite que deveria ser de glamour se transforma em um banho de sangue. O filme é uma adaptação do livro The Prom Queen (1992), de R.L. Stine, e marca o quarto capítulo da franquia Rua do Medo, na Netflix.

Diferente dos capítulos anteriores, "Rainha do Baile" é uma narrativa independente, sem conexão direta com os eventos ou personagens da trilogia original. Sob a direção de Matt Palmer, que coescreveu o roteiro com Donald McLeary, o filme mantém a essência slasher da série, mas busca um tom mais contido, focado na tensão psicológica e nas dinâmicas sociais do ensino médio, com essas garotas que, além de enfrentarem um assassino, são pura rivalidade.


Um dos pontos altos do filme é sua ambientação oitentista, que captura bem a estética e a energia da época. A trilha sonora, repleta de hits de Billy Idol, Roxette, Laura Branigan, Eight Wonder, Duran Duran, Power Glove, Rick Astley e Tiffany, garante a vibe. Agora pense em cabelos volumosos, ombreiras e vestidos de baile brilhantes: o visual cria uma atmosfera nostálgica que dialoga diretamente como se fosse "Carrie, a Estranha" (1976) encontrando "Scream Queens", de Ryan Murphy. Há ainda referências diretas a outros filmes, como "Os Garotos Perdidos"(1987), e easter eggs a serem caçados.



A representatividade queer, um dos pilares da franquia, está presente, mas de forma mais sutil do que nos filmes anteriores. A protagonista Lori, interpretada por India Fowler, é uma jovem outsider que desafia as normas sociais de Shadyside, e sua jornada carrega ecos de aceitação e resistência. Há momentos de química genuína entre ela e sua melhor amiga Megan (Suzanna Son), que desafia normas binárias, trazendo uma camada emocional que ressoa com o público LGBTQIA+.


No que diz respeito às mortes, não são exatamente criativas, nem nada que já não tenhamos visto antes, referenciando sequências clássicas de filmes como "Pânico" (1996) e até "O Iluminado" (1980), mas sem o mesmo impacto. O sangue jorra, com membros decepados, em um gore sutil. Lori e Megan se veem em um jogo apavorante de caça e rato naquela que deveria ser a noite mais inesquecível de suas vidas, o que de fato é, ecoando medos reais de exclusão e violência enfrentados por pessoas queer.


O ritmo de "Rainha do Baile" é equilibrado. Enquanto a primeira metade constrói bem o mistério e as rivalidades entre as garotas, especialmente com a mais popular Tiffany (Fina Strazza), o terço final se apressa para revelar o assassino e amarrar as pontas, mas acaba oferecendo um fator surpresa.


"Rua do Medo: Rainha do Baile" entrega uma experiência divertida para os fãs do gênero. É um filme que sabe brincar com os clichês do terror adolescente, e o elenco jovem injeta energia na história. Como uma adição à franquia, é um capítulo mais simples, mas que ainda carrega o espírito sangrento e nostálgico de Rua do Medo, provando que Shadyside ainda tem histórias para contar – e sustos para dar.


quinta-feira, 22 de maio de 2025

Rosas Selvagens (Les Roseaux sauvages, França, 1994)


 "Rosas Selvagens", de André Téchiné, é um marco do cinema queer francês, ambientado em 1962, durante a Guerra da Argélia. O filme segue François (Gaël Morel), um adolescente em um internato rural, cuja descoberta da atração por Serge (Stéphane Rideau) desencadeia um delicado coming-of-age. A narrativa entrelaça tensões políticas e pessoais, usando o pano de fundo histórico para explorar o desejo em um contexto de repressão social.

O homoerotismo em "Rosas Selvagens" é tratado com sutileza e força, especialmente na relação entre François e Serge. Os olhares furtivos, toques hesitantes e momentos de intimidade, como a cena no rio, carregam uma tensão sexual palpável, sem cair na exploração gratuita. A bissexualidade de François, que também se envolve com Maïté (Élodie Bouchez), reflete a fluidez do desejo adolescente, um tema que ecoa sua busca por identidade em um mundo em transformação.

A Guerra da Argélia serve como pano de fundo político, mas também como metáfora para os conflitos internos dos personagens. A amizade entre François, Serge, Maïté e Henri (Frédéric Gorny), um jovem pied-noir, é tensionada pelas divisões sociais e ideológicas da época. Henri, marcado pela violência colonial, contrasta com a ingenuidade de François, enquanto Maïté representa uma voz de rebeldia intelectual.

A direção de Téchiné é o highlight de "Rosas Selvagens". Sua câmera, fluida e contemplativa, captura a beleza melancólica dos campos e a crueza das emoções juvenis. A fotografia de Jeanne Lapoirie utiliza luz natural para destacar a sensualidade dos corpos e a vastidão do cenário, criando uma atmosfera ao mesmo tempo íntima e expansiva.

As atuações são outro pilar do filme. Gaël Morel, um nome importante no cinema francês atual, em seu primeiro papel, transmite a fragilidade e a curiosidade de François com uma naturalidade desarmante, enquanto Stéphane Rideau traz uma energia física e carismática a Serge. Élodie Bouchez, como Maïté, oferece um contraponto emocional, com uma performance que mistura força e suavidade. A química entre o elenco é essencial para o impacto do filme.

"Rosas Selvagens" é uma obra-prima que equilibra desejo, política e juventude com uma sensibilidade rara. Apesar de sua simplicidade narrativa, o filme carrega uma profundidade emocional que o torna atemporal, celebrando a complexidade do amor em suas muitas formas. A jornada de François, entre roseiras e conflitos, é um lembrete da beleza caótica da autodescoberta, um tema universal que Téchiné captura com maestria.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Forever-Forever (Ucrânia/Países Baixos, 2023)

Forever-Forever, de Anna Buriachkova, segue a jornada de Tonia, uma jovem transferida para uma nova escola em Kiev, Ucrânia, durante os anos 1990. O filme se destaca por sua abordagem crua da autodescoberta sexual, com Tonia explorando sua bissexualidade através de relações com homens e mulheres. A narrativa captura a tensão de uma era pós-soviética, onde a liberdade juvenil colide com resquícios de rigidez social.

A atuação de Alina Cheban como Tonia é um dos pilares do filme. Sua performance equilibra vulnerabilidade e ousadia, transmitindo a confusão e a intensidade de uma adolescente lidando com traumas passados e a pressão de se encaixar em um novo ambiente. As cenas de intimidade, tanto com personagens masculinos quanto femininos, são filmadas com sensibilidade, evitando a objetificação e enfatizando a conexão emocional. Buriachkova acerta ao retratar esses momentos como parte natural da exploração de Tonia, sem moralismos ou explicações didáticas. A química entre Tonia e seus pares, especialmente com Lera e Sasha, é palpável, e os diálogos, muitas vezes improvisados, reforçam a autenticidade das interações juvenis.

O filme também se destaca por seu contexto histórico e cultural. Ambientado em uma Ucrânia recém-independente, Forever-Forever reflete o espírito de transição de uma geração que busca liberdade em meio a incertezas. A escolha de cenários urbanos degradados, combinada com a energia hedonista das festas e corridas de carro, simboliza a busca por identidade em um mundo que ainda não sabe o que quer ser. Nesse sentido, a bissexualidade de Tonia pode ser lida como uma metáfora para a fluidez de uma sociedade em transformação, desafiando as normas rígidas do passado soviético.

A mensagem queer de Forever-Forever é um de seus aspectos mais marcantes. Ao retratar a bissexualidade de Tonia sem alarde ou necessidade de justificativa, o filme normaliza a fluidez sexual como parte integrante da adolescência. Essa abordagem é particularmente significativa em um contexto cultural onde representações queer ainda enfrentam resistência.

Forever-Forever é um coming-of-age vibrante e imperfeito que brilha por sua personalidade e coragem. Anna Buriachkova entrega um filme que é tanto uma cápsula do tempo dos anos 90 quanto uma reflexão atemporal sobre identidade, desejo e pertencimento. A jornada de Tonia, com sua bissexualidade é um lembrete poderoso de que a autodescoberta é bagunçada, bela e universal. 

terça-feira, 20 de maio de 2025

RIO LGBTQIA+ 2025: Um Mosaico de Histórias Queer no Cinema Brasileiro e Global

Artista: Emerson Rocha - Quando Garotos Negros (Se) Amam

De 3 a 9 de julho de 2025, o RIO LGBTQIA+ – Festival Internacional de Cinema, em sua 14ª edição, ilumina o Rio de Janeiro com 138 filmes que celebram a diversidade. Realizado no CCBB RJ, Instituto Cervantes RJ e Instituto Italiano de Cultura, o evento reúne 7 longas brasileiros, 11 longas internacionais, 60 curtas brasileiros e 60 curtas internacionais, trazendo vozes de territórios como Brasil, Filipinas, Argentina, Índia, Portugal e mais. A programação destaca a riqueza cultural e geográfica, com narrativas que cruzam estados brasileiros e fronteiras globais.

Longas Brasileiros: Representatividade Regional e Narrativas Vibrantes

Salomé, de André Antônio

  • Filhas da Noite, de Henrique Arruda (Pernambuco), mergulha nas vivências trans do Recife, capturando a pulsação da noite e da resistência.

  • Alegria do Amor, de Márcia Paraíso (Santa Catarina), explora o amor em suas formas mais plurais e emocionantes.

  • Uma Breve História da Imprensa LGBT+ no Brasil, de Luffe Stefen (São Paulo), resgata a luta por visibilidade na mídia brasileira.

  • Avenida Beira-Mar, de Maju de Paiva e Bernardo Florim (Rio de Janeiro), ambientado no litoral carioca, tece uma narrativa de amadurecimento e afetiva.

  • Nem Toda História de Amor Acaba em Morte, de Bruno Costa (Paraná), acompanha Sol, que se apaixona por Lola, uma jovem atriz surda. O romance se complica quando Lola passa a conviver com Miguel, ex-marido de Sol, formando um triângulo que revela que a morte de um amor pode ser o nascimento de outro.

  • Salomé, de André Antônio (Pernambuco), oferece uma releitura delirante do clássico de Oscar Wilde, trazendo uma abordagem ousada e poética.

  • A Cigana, de Thiago Furtado (Piauí), é um documentário que apresenta Benício Bem, artista piauiense ligado à cultura cigana e popular nordestina. Em uma jornada cósmica por reconhecimento, Benício reflete sobre gênero, identidade e o estigma de ser um “artista local”.

Essa seleção abrange estados como Pernambuco, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Piauí, destacando a pluralidade regional do cinema queer brasileiro.

Longas Internacionais: Um Olhar Global

Homens Íntegros, de Alejandro Andrade Pease

  • Algumas Noites Quero Sair Caminhando, de Petersen Vargas (Filipinas), estreia no festival com uma abordagem sensível sobre garotos de programa.

  • Los Amantes Astronautas, de Marco Berger (Argentina), explora desejo e liberdade em um contexto romântico numa narrativa típica do diretor.

  • Como Nossos Sonhos, de Sridhar Rangayan (Índia), reflete sobre aspirações e identidades.

  • As Fado Bicha, de Justine Lemahieu (Portugal), celebra a resistência queer pela música.

  • Tese Sobre Uma Domesticação, de Javier Van de Couter (Argentina), apresenta uma poderosa narrativa trans sobre identidade e autodescoberta.

  • Outros títulos, como Homens Íntegros, Meu Nome é Agnes, Nicola, O Prazer é Meu, Quir e Sally!, completam o painel global, trazendo perspectivas de países como México, França e Itália.

Um Festival de Conexão e Resistência

Com curtas que abrangem ficção, documentário e experimental, o RIO LGBTQIA+ 2025 reforça a multiplicidade de vozes queer. A representatividade de estados brasileiros como Pernambuco, Piauí e Paraná, junto a narrativas internacionais de países como Filipinas e Índia, destaca o compromisso do festival com a inclusão. Para conferir a programação completa, incluindo curtas e eventos, acesse www.riolgbtqia.com.br/Filmes2025.html. A Cidade Maravilhosa será invadira por um universo de histórias que celebram a diversidade e a resistência na telona!


El Placer es Mío, de Sacha Amaral

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Liza: A Truly Terrific Absolutely True Story (EUA, 2025)

“Liza: A Truly Terrific Absolutely True Story” é um mergulho no redemoinho que é Liza Minnelli, a diva que carrega o peso dos pais Judy Garland e Vincent Minelli e o brilho de mil holofotes. Bruce David Klein tenta capturar essa força da natureza, traçando sua trajetória de “Cabaret” a shows esgotados, com imagens de arquivo que são ouro. De “Cabaret” a “New York, New York”, seus hinos ecoam em plateias esgotadas. 

Entrevistas com amigos e fãs pintam Liza como uma sobrevivente, mas o filme às vezes tropeça num saudosismo que parece mais plumas que alma. Pro público LGBTQIA+, Liza é um farol pioneiro, assim como sua mãe, das divas queer.


A vibe queer de Liza é o coração pulsante. Ícone gay por excelência, ela não só abraçou seus fãs LGBTQIA+ como virou espelho de suas lutas e celebrações. O filme mostra isso em clipes de shows onde Liza, com lantejoulas e voz rouca, conecta plateias queer a um sentimento de resistência e glamour. Klein capta a energia dos anos 70, mas não aprofunda o contexto cultural que fez dela um símbolo.


A montagem é um espetáculo à parte, costurando apresentações ao vivo, bastidores e fotos raras com um ritmo que grita showbiz. É como se Klein quisesse que você sentisse Liza no palco, suando e brilhando sob a direção de Bob Fosse. Mas a narrativa patina ao evitar os demônios da diva — vícios, casamentos turbulentos, a sombra de Hollywood. Em vez de um retrato cru, temos um mosaico que celebra sem questionar.


O filme brilha mais quando foca na resiliência de Liza. Os principais depoimentos são os dela mesma, o que é uma merecida homenagem em vida, e se Liza (with Z) diz que “Não se usava drogas na Studio 54”, tudo bem, porque é Liza Minnelli. Sua conexão com o público queer vem dessa teimosia em existir, em ser vista, mesmo quando o mundo tentava apagá-la. Mas Klein parece intimidado pelo mito, optando por uma narrativa que exalta sem incomodar.


A estética de glamour musical, prestando tributo a “Cabaret” entre outros de seus grandes momentos, salva! Dos figurinos do amigo Halston aos closes dramáticos, o filme abraça o exagero que define Minnelli. É um deleite visual, mas não compensa a falta de profundidade.


No fim, “Liza: A Truly Terrific Absolutely True Story” é uma carta de amor à diva, mas escrita com caneta falhando. Liza Minnelli, com sua voz que quebra corações e olhos que contam mil histórias, merecia um documentário tão corajoso quanto ela. Ainda assim, pro gay old school, é impossível não se emocionar vendo a própria Liza reinar, mesmo que o filme prefira aplaudir a coroar suas verdades mais duras.