segunda-feira, 31 de maio de 2021

Tinta Bruta(Brasil, 2018)

A alienação é o tema principal de Tinta Bruta, um conto sobre isolamento na era da internet, ambientado em Porto Alegre. O filme se concentra em um jovem socialmente reprimido que só sai de sua concha durante as apresentações em uma sala de bate-papo, quando ele tira e espalha tinta neon em seu corpo flexível. 

Codirigido por Filipe Matzembacher e Marco Reolon, o longa brinca com momentos de erotismo, mas não como um jogo carnal; em vez disso, é uma visão melancólica de como as consequências do bullying, o fardo de ser diferente e a construção artificial dos bate-papos na Internet quebram os laços sociais. 


Quando visto pela primeira vez, Pedro(Shico Menegat) é um cara tímido e emocionalmente fechado, no final da adolescência, acompanhado de sua irmã mais velha Luiza (Guega Peixoto), em uma audiência para discutir um possível acordo judicial sobre uma acusação de agressão. A essa altura os detalhes são nebulosos, mas fica claro que Luiza, às vésperas de se mudar para o norte, está preocupada em deixar o irmão sozinho no Rio Grande do Sul. Ela está bem com a forma como ele ganha uma renda, despindo-se na frente do computador como o alter ego NeonBoy e aceitando pedidos de fãs cibernéticos.


Pedro fica perturbado ao saber que há outro modelo de webcam em Porto Alegre usando tinta neon em suas apresentações, então ele marca um encontro. Leo (Bruno Fernandes) é o seu oposto: brincalhão, extrovertido e ambicioso, montou seu chat para arrecadar dinheiro extra enquanto procurava uma bolsa de dança no exterior. Juntos, eles fazem uma sessão online e ganham espectadores, mas Pedro está irritado porque os assinantes agora não estão interessados ​​em seu ato solo.


A sensualidade de Leo, sempre tão hesitante, tira Pedro de sua armadura, mas o investimento emocional do jovem retraído é arriscado, já que Leo está querendo deixar a cidade como Luiza e tantos outros. Os que permanecem são mais como os dois caras que atacam o casal na rua uma noite, ou as pessoas assistindo a destruição de seus apartamentos, suas silhuetas sem rosto em pé em um testemunho mudo de uma sociedade paralisada pela apatia.


O filme é dividido em três capítulos, cada um com o nome de um personagem específico. A aparição tardia da avó de Pedro, interpretada pela grande atriz gaúcha Sandra Dani, apenas obscurece as coisas, sem oferecer uma visão maior e mais otimista.  O filme é um retrato atmosférico e obsessivo de insatisfação, carregado pelas performances carismáticas dos atores e de tinta brilhante. O longa recebeu o Teddy, considerado o Oscar LGBTQIA+, no Festival de Berlim, em 2018.



domingo, 30 de maio de 2021

Cruella(EUA, 2021)


Cruella, novo live-action da Disney, sobre a juventude da vilã de 101 dálmatas, é carregado por gotas de punk/rock, um visual fabuloso, que recria a vibração glam da década de 1970, e uma multifacetada Emma Stone, na pele da vilã que foi imortalizada no cinema por Glenn Close. A direção ficou por conta de Craig Gillespie, do elogiado Eu, Tônia(2017)

Emma Stone, não incorpora a malevolência extravagante da personagem, mesmo que ela padronize seu riso em alguns momentos. A atriz captura o brilho perverso de uma jovem brilhante, com senso único de moda, chegando a entender seu próprio poder.


Conhecemos a pequena Estella(Tipper Seifert-Cleveland), incompreendida pela maioria de seus colegas de classe e ridicularizada por seu penteado metade preto, metade branco (ela nasceu assim) e sua sensibilidade-punk. Em 1964, e ela já está deslumbrando seu blazer com alfinetes, enquanto cuida carinhosamente de um vira-lata perdido.


Depois de muitas brigas na escola, Estella e sua mãe solteira tentam se mudar para Londres; no caminho, eles param em uma mansão chique onde um baile está acontecendo. Estella se esgueira para olhar mais de perto, os dálmatas a perseguem, mas, em vez disso, acabam levando sua mãe pela encosta de um penhasco. Assombrada pela culpa, Estella chega a Londres sozinha, onde se encontra com os jovens trombadinhas Horace e Jasper.



Após uma infância de crime, a adulta Estella  está pronta para causar impacto no mundo da moda, e sua vandalização de uma vitrine de loja de departamentos captura o olhar da rainha do mundo da alta-costura de Londres, a Baronesa, Emma Thompson, evocando Meryl Streep em
O Diabo Veste Prada.

Os figurinos deslumbrantes criados por Jenny Beaven, ganhadora do Oscar por Mad Max: Estrada da Fúria, têm clara inspiração em Vivienne Westwood em dão o tom fashionista do filme, que exibe a visão vanguardista e revolucionária da moda de Estella.


Após descobrir que a Baronesa é a responsável pela miséria de sua vida,  a personagem assume sua identidade Cruella, com a ajuda dos já crescidos Horace (Paul Walter Hauser), Jasper (Joel Fry), o novo amigo estilista Artie(John McCrea) e a jornalista de moda Adelia(Kurby Howell-Baptiste). Cruella passa a fazer entradas triunfais, em todos os eventos da Baronesa, exibindo fascinantes e exclusivos modelos.


A trilha sonora do filme é simplesmente fantástica, cada momento significativo de Cruella é embalado por uma canção emblemática. Tem The Zombies, Nancy Sinatra, Supertramp, Bee Gees, Rolling Stones, Ike & Tina, The Doors, The Clash, Blondie, e a inédita Call me Cruela, gravada por Florence and the Machine.


É uma delícia assistir Emma Stone e sua montanha russa de emoções proporcionada pela jovem Cruella, e seu glamour diabólico. As origens da personagem da Disney deixam pistas sobre seu futuro sombrio, mas o filme é muito mais um manifesto visual do que é um conto clássico sobre maldade.


sábado, 29 de maio de 2021

Luz(EUA, 2020)


Vendido como um filme de prisão, Luz, de Jon Garcia, aborda o machismo presente na comunidade latina no hostil ambiente carcerário. O roteiro dividido corretamente em três atos apresenta uma história de paixão que quebra paradigmas de masculinidade.


A premissa trata do fato de Ruben (Ernesto Reyes) ser preso devido a um acidente de carro e suas relações com o primo mafioso. Ele teve que deixar sua filha para trás. Enquanto tenta se adaptar à vida na prisão, Ruben conhece seu companheiro de cela Carlos (Jesse Tayeh). Embora o primeiro encontro não seja dos melhores, os dois lentamente começam a se entender e sua conexão se torna romântica, até o ponto de uma libidinosa cena de sexo.


O amor deles é interrompido quando chega a hora de Carlos partir. Quando Ruben é libertado, dois anos depois, ele tem que descobrir seus sentimentos por Carlos fora da prisão e planejar como tirar sua filha de uma situação perigosa. A narrativa não termina quando os personagens se separam, já que eles logo se reencontram, com Carlos casado e morando com a mãe mexicana. 


O diretor sabe como lidar com as emoções  e seus problemas com a sexualidade. As atuações são boas em todos os aspectos, com ambos os atores atuando de forma impressionante durante as cenas emocionalmente vulneráveis.


A trilha, com belas canções em espanhol, é um dos pontos altos do filme, afinal ela define a latinidade do casal protagonista. Apesar de, principalmente, Carlos carregar o aspecto do machão mexicano, ele é frágil e completamente exposto aos seus sentimentos.


Emocionalmente pesado, o ato final do filme ganha ares de thriller, com desfechos difíceis de prever e uma torcida aflita do público. Embora haja algumas falhas, os resultados que Luz apresenta são mais positivos e autênticos, do que se possa imaginar.



sexta-feira, 28 de maio de 2021

Luciérnagas(México/Grécia/República Dominicana, 2018)

Luciérnagas, da diretora Bani Khoshnoudi, acompanha Ramin, Arash Marandi de Garota Sombria caminha pela noite(2014), um jovem iraniano, que ao fugir de seu país para a Europa de navio, vai parar no porto de Veracruz, no México.

Sem saber falar espanhol, percebemos que o protagonista é homossexual pelos chats tensos via Skype com o namorado que deixou no Irã. Na cidade, ele pode contar apenas com a administradora de onde está hospedado, Lete(Flor Edwarda Gurrola), uma das figuras mais carismáticas e envolventes do filme, desesperada por ser o que supostamente se espera de uma mulher. 


O longa transita pela esfera do subentendido, e mesmo que haja muita dor e sofrimento no protagonista, as questões de migração é que são postas em foco. O ex-namorado de Leti, tem que voltar dos Estados Unidos por um tempo, o lugar onde todos sonham estar.


Mas também há espaço para o amor no filme, quando Ramin conhece o hondurenho Guillermo(Luis Alberti). A relação é pautada na tensão sexual e tateia possibilidades de um relacionamento carnal e afetivo, é quando percebemos que nosso herói finalmente está fincando raízes em algum lugar. No entanto, ele conta a Guillermo que esteve preso no Irã, mas não expressa as razões: sua sexualidade.


Luciérnagas  é rico em alimento para o pensamento, abrindo paralelos inexplorados entre seus personagens, todos os quais se encontram presos em vidas em uma cidade portuária - um lugar de trânsito - que agora se tornou sua realidade permanente, e da qual há apenas uma vaga esperança de fuga. 


Visualmente poético, o longa coloca em jogo imigração, sexismo, homofobia e outros preconceitos devidamente organizados. O título foi inspirado em um texto de Pasolini, escrito em 1972, ao enfrentar o neofascismo, ressaltando a sobrevivência dos vagalumes, uma analogia para pessoas que conseguem se manter em pé apesar da situação.


quinta-feira, 27 de maio de 2021

Capote(EUA/Canadá, 2005)

Em 16 de novembro de 1959, Truman Capote, brilhantemente interpretado pelo saudoso ganhador do Oscar, Philip Seymour Hoffman ,notou uma notícia sobre quatro membros de uma família, de fazendeiros do Kansas, que foram mortos a tiros. Ele logo se interessou em escrever um artigo sobre o caso.

A princípio, Capote pensou que a história seria sobre como uma comunidade rural estava lidando com a tragédia. "Não me importo se você pegar quem fez isso", disse ele a um agente do Kansas Bureau of Investigation. Em seguida, dois meliantes, Perry Smith(Clifton Collins) e Richard Hickock(Mark Pellegrino), são presos e acusados ​​do crime. À medida que Capote os conhece, é consumido por uma história que o tornaria rico e famoso, com o best-seller A Sangue Frio.


Capote, de Bennett Miller é sobre esse período crucial de menos de seis anos na vida do escritor. Enquanto ele fala com os assassinos, com os policiais e com os vizinhos da família. No cerne de sua reportagem está um conflito irredimível: ele ganha a confiança dos dois assassinos condenados e essencialmente se apaixona por Perry Smith, enquanto precisa que eles morram para fornecer um final para seu livro. 


Capote é um filme de força e percepção incomuns, sobre um homem cuja grande conquista exige a renúncia de seu amor-próprio. A atuação precisa e misteriosa de Philip Seymour Hoffman como Truman Capote não imita o autor, mas o canaliza, como um homem cujas peculiaridades, maneirismos e um riso nervoso mascaram uma grande inteligência e profundas feridas.



O filme, escrito por Dan Futterman, baseado no livro Capote, de Gerald Clarke, enfoca a maneira como um escritor trabalha uma história e a história trabalha sobre ele. Capote consegue a aceitação cautelosa de Alvin Dewey (Chris Cooper), o agente encarregado do caso. Ele convence o agente funerário local a deixá-lo ver os corpos mutilados dos Clutters. Mais tarde, Perry Smith lhe dirá que gostava do pai, Herb: "Achei que ele era um homem muito bom e gentil. Achei isso até cortar sua garganta."


Em suas viagens ao Kansas, ele leva consigo sua amiga de infância, Harper Lee (Catherine Keener). Ele leva tanto tempo para terminar seu livro que Lee publica seu famoso romance O Sol é para Todos, o vende ao cinema e assiste à estreia mundial com Gregory Peck. 


Os outros personagens principais são o amante de Capote, Jack Dunphy (Bruce Greenwood), e seu editor na New Yorker, William Shawn (Bob Balaban). "Jack acha que estou usando Perry", Truman diz a Harper. "Ele também acha que eu me apaixonei por ele no Kansas..


Capote não é uma biografia tradicional, já que foca num período que o autor já era famoso por sucesso como Bonequinhas de Luxo, porém transmite a dor, a paixão e a personalidade de um gênio. Sombrio, o filme entrega momentos reveladores, e quando A Sangue Frio é finalmente lançado torna-se a grande obra prima do autor.



quarta-feira, 26 de maio de 2021

Santa & Andrés(Santa y Andrés, Cuba/França/Colômbia, 2016)

A improvável amizade entre um escritor dissidente gay e uma mulher encarregada pelo Partido Comunista Cubano de observá-lo, é retratada com sensibilidade no filme de Carlos Lechuga, passado em Cuba, no ano de 1983, quando a insistência de Fidel Castro na conformidade ideológica tornou a vida quase impossível para qualquer pessoa cujas crenças políticas e orientação sexual se desviassem da política oficial.

A camponesa Santa (Lola Amores) é encarregada de acompanhar Andrés (Eduardo Martínez) durante os três dias em que se realiza um “Fórum pela Paz” nas proximidades. O medo é que o ele tente entrar em contato com alguém, então todas as manhãs Santa chega ao casebre do escritor com a cadeira na mão, e fica até a noite, visando o mínimo de interação possível. Seu jeito frio e desdenhoso deriva mais do aborrecimento por estar ali do que de um conflito de princípios, que vem mais de seu manipulador Jesus George Abreu) do que de qualquer postura política profundamente arraigada nela.


Uma chuva torrencial força Santa a entrar na cabana de Andrés, e ela relutantemente permite alguma conversa, na qual ele revela que passou oito anos na prisão por escrever um livro que o governo não gostou. 


Chega um jovem mudo (Cesar Domínguez), claramente o amante Andrés, essa percepção a separa ainda mais do homem que ela estava observando, mas quando ela encontra Andrés gravemente ferido na manhã seguinte, após uma briga com seu amante, ela o leva para o hospital. Não há cenas de sexo no filme, porém o avantajado nu frontal de Mudo, é bastante homoerótico.


O roteiro evita a exposição direta, permitindo que as circunstâncias e comentários desprevenidos revelem demônios internos que atormentam ambas as figuras, e talvez porque Lechuga tenha o cuidado de não estabelecer uma hierarquia de sofrimento, ele consegue conceder a cada personagem sua própria dor sem um sentimento de rivalidade .


Andrés compartilha sua visão de mundo com Santa, que abre os olhos para a humanidade. Amores e Martínez transmitem muito pelo silêncio, sua fisicalidade ferida exprimindo muito mais do que palavras. Ambos os atores usam essa interioridade para simbolizar sutilmente o isolamento dos personagens, que precisam desesperadamente de vínculos um com o outro.


terça-feira, 25 de maio de 2021

Genera+ion(EUA, 2021)

Criada pela adolescente Zelda Barnz, de 19 anos, e seu pai Daniel Barnz, que também dirige(seu outro pai, Ben Barnz, produz) Generat+on, nova série da HBO, segue um grupo de estudantes do ensino médio cuja exploração da sexualidade contemporânea testa crenças sobre a vida, o amor e a natureza da família em uma cidade conservadora.

Na primeira cena, uma garota está sentada em uma praça de alimentação de um shopping gritando com sua amiga para terminar no banheiro. Delilah(Lukita Maxwell), está tendo um bebê, mas ninguém pode saber. Sua amiga enlouquece e tenta lidar com a situação, pesquisando “como dar à luz” no Google. A partir dessa gravidez inesperada e seu fatídico parto é que os seguintes 8 episódios, de 30 minutos, irão se desenrolar.


Somos apresentados a Chester (Justice Smith), um adolescente destemido, que se destaca por seu visual fluído e ignora as suposições de gênero, e Arianna (Nathanya Alexander), uma jovem adotada por dois pais e bastante descolada. Ainda há os irmãos Nathan(Uly Schlesinger) e Naomi(Chloe East), que no início acabam se envolvendo com o mesmo cara, e tudo é descoberto, lógico por meio da tecnologia. Quem acaba roubando cenas é a mãe Megan, interpretada por Martha Plimpton.


Greta (Haley Sanchez), uma mexicana que teve a mãe deportada para Guadalajara, é a mais melancólica das personagens, e não está sabendo lidar com sua homossexualidade, mesmo com o apoio da tia e a paixão pela fotógrafa Riley(Chase Sui Wonders).



Genera+ion
não inova, por vir após séries como Sex Education e Euphoria, porém está comprometida nas implicações emocionais e sociais de seus personagens e todas as mídias sociais e conexão digital onipresente que os complementa. Quando Chester encontra o orientador Sam(Nathan Stewart-Jarrett ) no Grindr, começa a desenvolver uma paixão proibida.

A trilha sonora faz parte da narrativa da série e conta com músicas que representam tanto a cultura adolescente como a LGBTQIA+. Há Lady Gaga, Paulina Rubio, Jessie Ware, Icona POP, Britney Spears, Tove Lo, Jessie Ware, Caroline Polacheck, Sylvester, entre outros.


E as referências não são apenas musicais, quando a turma do colégio embarca para San Francisco, para assistir uma sessão de Paris is Burning, comentada pela diretora Jennie Livingston, é que os momentos mais reveladores acontecem.


Genera+ion trata de histórias universais, discute racismo, homofobia, misoginia, feminismo e identidade de gênero. E mesmo que tudo cheire como um espírito teen, o sabor é requentado. A série encerra com um gancho para uma segunda temporada, deixando uma importante mensagem de aceitação e liberdade.


segunda-feira, 24 de maio de 2021

Fassbinder - Ascensão e Queda de um Gênio(Enfant Terrible, Alemanha, 2020)

Quando Enfant Terrible, cinebiografia do gênio do cinema alemão Rainer Werner Fassbinder, de Oskar Röhler, começa somos transportados a uma sala de teatro em Munique, de 1968, onde  vemos sua trupe de teatro e o diretor, magistralmente interpretado por Oliver Masucci, com seu cigarro e jaqueta de couro inconfundíveis, pensativo com o que viria a seguir. 

E o próximo passo foi levar seu elenco para o cinema, com a realização do primeiro longa O Amor é mais frio que a Morte(1968), e sua recepção com vaias no Festival de Berlim. No entanto o jovem, e ambicioso, Rainer almejava mais e queria se tornar um grande nome do cinema, como Godard.


Röhler cobre a vida de Fassbinder em uma série épica de cenas frenéticas, confrontos nervosos em sets de filmagens, babados em coletivas de imprensa e sexo em saunas, apresentados em cenários pintados como storyboards e uma inebriante iluminação neon. Ao seu lado sempre está Kurt Raab, Harry Prinz incrivelmente parecido com o ator, a quem Fassbinder chama carinhosamente de Emma.


Quando conhece Gunther Kauffman(Michael Klammer), um atrativo negro, o cineasta se encanta, e exige favores sexuais para que o homem possa atuar em seus filmes. O conturbado caso resultou em interessantíssimas obras como Rio das Mortes(1971) e Whity(1971).



Mas quando encontra o mulçumano Ben Hedi Salem(Erdal Yıldız) em um gueto de Paris é que Fassbinder é avassalado e o chama para vir à Alemanha, onde estrelou ao lado de Brigitte Mara(Eva Mattes), o sensacional O Medo Devora a Alma(1974). No entanto, os casos do artista sempre tiveram finais trágicos, o mesmo vale para Armin Meier(Jochen Schropp), cuja vida infeliz inspirou em parte O Direito do mais forte é a liberdade(1975).


O excesso artístico, sexual, tabagístico e alcoólico, inevitavelmente o conduzem a cocaína, que em determinado momento, acaba virando quase um personagem do filme, aquele que levaria o diretor ao seu final obscuro, por overdose, aos 37 anos. Em determinado momento, a atuação de Oliver Masucci, e sua incrível semelhança, se fundem à Fassbinder, e acreditamos estar diante do próprio.


Mesmo sob o efeito de tantas substâncias, Rainer Fassbinder produzia incansavelmente. “Meu dia tem 26h” diz ele à um amante para em seguida cheirar uma carreira. Em um dos tantos momentos memoráveis do filme, ele acaba esbarrando com a travesti Carlotta(André Hennicke) e tem o insight para fazer Num Ano de 13 Luas(1978).


Com seu extraordinário terno de leopardo, cigarro na mão, canudo no bolso e uma personalidade explosiva, Fassbinder trabalhou até o fim. Em 1982, ano de sua morte, finalmente ganhou o Leão de Ouro, por O Desespero de Veronika Voss, e seu encontro com Andy Warhol(Alexander Scheer) parece ter inspirado sua obra prima póstuma: Querelle.


domingo, 23 de maio de 2021

Lemebel(Chile, 2019)

Quem foi Pedro Lemebel? O documentário, de Joanna Reposi Garibaldi, apresenta o escritor, performer, artista visual e pioneiro do movimento LGBTQIA+ no Chile, que enfrentou, com clamor, o regime do ditador, Augusto Pinochet.

Há o ativismo e a arte: os dois se entrelaçam e, na maioria das vezes, é difícil dizer onde está a fronteira. Fundador do coletivo Éguas do Apocalipse, com pensamentos muito a frente do seu tempo o militante e seu grupo, sempre se fizeram presentes em grandes eventos demarcando um território de resistência.


O longa é suficiente para extrair temas de uma vida. Como a importância das palavras, a começar pelo nome Lemebel, que ele mesmo escolheu. Porque os sobrenomes espanhóis são masculinos e Lemebel, foi um nome inventado por sua avó quando fugia.


As palavras são importantes. É por isso que ele não gosta de 'gay', que ele vê como tendo pouco em comum com o homossexual da classe trabalhadora. Palavras e linguagem são importantes quando ditas no contexto adequado, quando vai a um programa de TV, e dá uma lista imensa de termos para designar homossexual, Lemebel arranca, com simpatia, risos da plateia.



A visão de Lemebel é revolucionária. Começando como um hippie inspirado no amor, ele entendeu desde cedo a necessidade de revidar. Porque quando começou seu trabalho, sob a ditadura, gays eram assassinados abertamente nas ruas. Quando ganhou voz ele finalmente pode alcançar as massas, lançando obras literárias como a recentemente adaptada Tenho Medo Toureiro(2020), e palestrando em Harvard, por exemplo.


Em sua campanha no evento Stonewall, nos Estados Unidos, ele, repetidamente, usa seu corpo para fazer um protesto, com uma emblemática auréola feita de seringas. Existe uma energia nervosa no artista que não pode falar, afirma, sem música de fundo. Surge então Corazón de Poeta, da cantora Jeanette, famosa pelo tema de Cria Cuervos(1976), Porque te Vas.


Como uma grande homenagem, o documentário mostra obras de Lemebel sendo projetadas em prédios de Santiago, além de uma última performance, o ato final do corpo político, o corpo rasgado, rolando por uma escadaria em chamas.


Não há uma narrativa convencional, de começo e fim. Ainda assim, há uma espécie de linha do tempo, dos diferentes períodos que vivenciou até suas últimas apresentações, quando ele está claramente doente. Tudo coberto por imagens realizadas apenas duas semanas antes de sua morte por câncer de laringe, em janeiro de 2015. O filme, que estreou no Festival de Berlim, em 2019, ganhou o Teddy, de Melhor Documentário.



sábado, 22 de maio de 2021

Peter Tatchell: Do Ódio ao Amor(Hating Peter Tatchell, Austrália, 2021)

Apontado como o Inimigo Nº 1 da Grã Bretanha, fascista gay e terrorista homossexual, Peter Tatchell é um militante fervoroso pelos direitos LGBTQIA+, que com suas estratégias, muitas vezes agressivas, acabou chamando a atenção para o bem e para o mal.

O documentário de Christopher Amos, produzido por Elton John, é construído em cima de uma entrevista do próprio Tatchell à Ian McKellen, onde relembra 50 anos de ativismo, de um jovem que deixou a conservadora Austrália para travar uma luta heroica no Reino Unido.


Quando a batalha de Stonewall aconteceu em Nova York, acordou o mundo para a questão dos direitos dos homossexuais. Na Inglaterra, Peter Tatchell foi um dos responsáveis pela Frente da Libertação Gay, que em 1972, promoveu a Primeira Parada do Orgulho LGBTQIA+ em Londres.


Com a necessidade de criar leis que garantissem acima de tudo a segurança da população LGBTQIA+, Tatchell tentou entrar para a vida política se candidatando a deputado. Ridicularizado e ameaçado por sua homossexualidade, o candidato sofreu uma derrota esmagadora, combustível para mais energia.


A década de 1980 foi assombrada pela epidemia da AIDS e o crescimento da homofobia chegou até o governo de Margareth Thatcher, que fazia discursos conservadores e anti-homossexuais. Tatchell e sua equipe tiveram que trabalhar dobrado para conscientizar e garantir direitos, em um dos períodos mais obscuros da história LGBTQIA+.



Os depoimentos de Stephen Fry ajudam a reconstruir atos que marcaram época. Quando fundou a afrontosa OutRage! o ativista pretendia contestar e até mesmo tirar do armário figuras importantes que ele julgava hipócritas. Além disso, há toda uma proibição de qualquer tipo de material homossexual em escolas, o que ele contesta.

Uma de suas ações mais emblemáticas aconteceu durante a Missa de Páscoa, na Catedral de Londres, conduzida pelo Bispo George Carey. Ele e diversos ativistas invadiram o púlpito e com cartazes e gritos de ordem chamaram a atenção da imprensa. Em seu depoimento o próprio religioso, chocado na época, traça hoje um paralelo entre o ativista e Jesus Cristo.


Militante global, Peter Tatchell protestou contra o ex-presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, onde acabou sendo espancado e mais uma vez voltando os holofotes para si. Na Rússia, ele foi questionar a FIFA, por escolher um país homofóbico como sede de uma Copa, e protestar sobre as mortes na Chechênia.


Com um senso enorme de amor, liberdade, igualdade e justiça ,Peter Tatchell é um caso raro de militância. Sua paixão e devoção em defender as causas LGBTQIA+ e os direitos humanos deixaram sequelas, mas ele faz questão de enfatizar que a luta não irá parar. Documentário imperdível disponível na Netflix!


sexta-feira, 21 de maio de 2021

Halston(EUA, 2019)

Na década de 1970, depois que sua marca de luxo se expandiu para níveis onipresentes em apenas alguns anos, pegando uma onda da cultura disco de celebridades, uma série de decisões de negócios imprudentes e sabotagens corporativas combinaram-se para demolir Halston, para além do sexo e drogas.

Halston, do documentarista Fréderic Tcheng revela com devoção e atenção a história do ícone da moda, que embora cheia de purpurina, foi uma verdadeira tragédia fashion. Imagens e mais imagens de arquivo são reviradas por meio da narradora Chloe, interpretada por Tavi Gevinson.


O status de celebridade extravagante, as famosas noitadas na Studio 54, ao lado da inseparável Liza Minelli, Andy Warhol, Elizabeth Taylor e Bianca Jagger, e seu problema pelo uso excessivo de cocaína não é ofuscado pelo poder de sua moda, que a partir da lendária Batalha de Versalhes, colocaram os Estados Unidos no mapa das tendências mundiais.


O filme é sustentado por uma apreciação genuína e inteligente do brilho de Halston como designer, a forma influente como ele alterou e suavizou a silhueta de trajes formais femininos americanos em sua pompa e sua facilidade técnica única com tecido, ao criar peças como o famoso Ultrasuede.



Seus casos conturbados com Ed Austin e finalmente com Victor Hugo, um venezuelano complicado, que rasgava obras de Andy Warhol achando fazer arte, também são abordados. Embora bastante mencionados, o foco aqui diferentemente da série da Netflix não está no sexo e na cocaína e sim na obra do excêntrico gênio.


O documentário é um estudo de personagem comovente de um desajustado perfeccionista sempre tentando dar o melhor de si mesmo. A riqueza quase excessiva de material nos dá uma janela atmosférica para o clima febril que prevalecia na casa de Halston, na década de 1970, estimulada por inúmeras entrevistas atuais com os amigos, como Liza Minelli, Elsa Peretti e Joel Schumacher, associados e "Halstonettes" seu fiel círculo de modelos.

Negócios são misturados com prazer, já que Halston também documenta metodicamente a cadeia de parcerias e aquisições corporativas que inicialmente permitiram que a marca disparasse - expandindo para perfumes, artigos para casa, marcas de companhias aéreas e malas. O começo do fim é identificado com a decisão de Halston, em 1983, de literalmente baratear sua marca por meio de um acordo de bilhões de dólares com a JCPenney.


O ato final necessariamente mais lento e sombrio desta viagem é sua submissão à implacável epidemia de AIDS que derrubou muitos gênios brilhantes da época. Roy Halston morreu em 1990, no dia da cerimônia do Oscar. O golpe mortal é a revelação de que suas peças ao invés de irem para um museu foram vendidas por um preço modesto. Mas o legado vive, finalmente através de documentário e série, o estilista está ganhando uma retrospectiva e o reconhecimento merecido.


quinta-feira, 20 de maio de 2021

Fome de Viver(The Hunger, Reino Unido, 1983)

Quando Fome de Viver começa com a banda Bauhaus cantando a emblemática Bela Lugosi’s Dead, com Miriam e John, personagens de Catherine DeNeuve e David Bowie, caçando numa boate, temos um anúncio do clima gótico e hipnótico que o filme irá proporcionar.

Baseado no romance de Whitley Strieber, o filme de estria de Tony Scott, é um conto 

agonizante de vampiros, circulando em torno de uma sensualidade totalmente eficaz. John está envelhecendo e diante da aparente desistência de sua mestre ele procura pela cientista Sarah Roberts(Susan Sarandon), que o ignora.


Quando percebe que ele está falando sério, ele se parece com Matusalém, Sarah vai em busca  de respostas. Ao chegar na luxuosa mansão onde Deneuve e Bowie vivem, é quando uma taça de xerez à leva a sedução.


Fome de Viver é acima de tudo uma história de paixão. Uma paixão contagiosa, não é a toa que o aspecto vampírico do filme seja uma metáfora para a síndrome da AIDS, que no início dos anos 1980 era  uma epidemia A palavra “vampiro” jamais é citada e a condição pesquisada pela equipe de cientistas, de Sarah, é tratada como uma doença transmitida pelo sangue. 



Também não há caninos a mostra nas criaturas de
Fome de Viver, eles usam talismãs em formas de ankh para apunhalar suas vítimas e segundo as regras de Miriam se manter alimentador por uma semana. A luz do sol também não é um problema e eles podem exibir seus opulentes óculos escuros.

A direção de fotografia, de Stephen Goldblatt, ressalta ambientes góticos com uma iluminação inebriante e momentos sedutores com cortinas esvoaçantes, sangue rolando e uma certa referência ao clássico Nosferatu. Os figurinos absolutamente elegantes, de Yves Saint Laurent, também possuem um ar sombrio e fazem que esse seja um filme adorado pelos fashionistas.


A  esperada cena de sexo entre Catherine DeNeuve e Susan Sarandon é emblemática, por mais que ela permaneça no espectro do sugerido, e dá ao filme o momento catártico que levará a seu desfecho obscuro.


Por mais que a crítica considere Fome de Viver um filme vazio, a obra é um clássico do gênero de vampiros, ainda mais por reunir um elenco tão primoroso e único, que proporciona cenas monumentais, belas e magnéticas, como as aulas de violino dadas por Miriam. Um filme de culto gótico-pós-moderno-punk.



quarta-feira, 19 de maio de 2021

We Are Who We Are(EUA/Itália, 2020)

O cineasta italiano Luca Guadagnino sabe realmente dar vida a um lugar, evocando mundos específicos para formar seus personagens e nos quais o público se entrega com facilidade e entusiasmo. Na série We are Who We are, da HBO, o diretor de Me Chame pelo seu nome(2017), realiza uma produção atmosférica e fascinante sobre as descobertas da fluidez de gênero.

Fraser Wilson (Jack Dylan Grazer) é um adolescente americano de 14 anos que se muda com sua mãe Sarah (Chloe Sevigny) e sua esposa Maggie (Alice Braga) de Nova York para a Itália. Sarah é a nova comandante da base militar e Fraser não está muito feliz por ter deixado seu país.


Em seu primeiro dia na base, enquanto Fraser está caminhando para dentro da escola, ele espia sua vizinha, Caitlin ( Jordan Kristine Seamon) e seus amigos, incluindo Britney (Francesca Scorsese), Sam (Ben Taylor) e o irmão de Caitlin, Danny (Spence Moore). Fraser os segue silenciosamente até a praia a pedido de Britney.


A exploração da base por Fraser também serve para apresentar este microcosmo de uma comunidade ao público, um bizarro entre mundos que não é exatamente americano nem italiano. Mas Fraser não é apenas o guia do espaço, sua aventura configura o tipo de show que Guadagnino criou.



A série, de 8 episódios, se passa no período das eleições entre Hillary Clinton e Donald Trump, e esse contexto também serve para moldar a personalidade de Sarah, bem distinta da brasileira Maggie, que em determinado acaba se envolvendo em um caso extraconjugal.

O núcleo está centrado nas famílias de Fraser e Caitlin, com o complacente pai Richard, líder de um lar de nigerianos, interpretado por Kid Cudi. Mas é na garota que reside o aspecto mais inebriante da série, com ela desejando ser chamado de Harper e começar a apresentar anseios de realizar uma transição.


O sol está brilhando e os corpos jovens de We Are Who We Are cintilam com suor e confiança. Um dos episódios é uma celebração sexual movida a alguma substância na qual seus corpos são como uma música que parece levá-los. Há um forte homoerotismo que permeia a produção, logo no primeiro episódio Fraser invade um vestiário repleto de soldados nus.


Fraser, parece estar se descobrindo e mostra uma grande ambiguidade sexual, quando cria afeto por Jonathan(Tom Mercier), o assistente da mãe. Em determinado momento há a participação de Timotheé Chalamet e Armie Hammer, o casal de Me Chame pelo seu nome, mas se você piscar, perde.


A ressonância emocional é o que fundamenta uma série arriscada que poderia facilmente ter sido pouco mais do que indulgência em mãos diferentes. Nas mãos de Guadagnino, We Are Who We Are é uma experiência memorável.



terça-feira, 18 de maio de 2021

Entre-Laços(Karera ga honki de amu toki wa, Japão, 2017)


Entre-Laços, da diretora japonesa Naoko Ogiami, joga os holofotes nas estruturas familiares alternativas, em que Tomo(Rinka Kakihara), de 11 anos, maternalmente negligenciada, encontra segurança nos cuidados de seu tio e sua parceira transgênero. 

Tomo teve que crescer um pouco mais rápido do que seus colegas, graças à irresponsabilidade de sua mãe (Mimura). A garota conta há muito tempo com seu gentil tio Makio (Kenta Kiritani) mas fica surpresa ao descobrir que a nova namorada, Rinko (Toma Ikuta), foi morar com ele.


Existe uma imensa generosidade nos olhos da personagem trans, uma enfermeira cuidadora, de fala mansa e com um coração tão grande quanto suas mãos assumidamente masculinas, Rinko gradualmente conquista Tomo com ternura, afeto e interações dramáticas. A inocência da menina permite que ela pergunte o que aconteceu com o pênis da nova amiga.


Em pouco tempo, os três estão compartilhando segredos, percorrendo avenidas idílicas de flor de cerejeira e colaborando em um tricô excêntrico. Assim, uma unidade familiar não convencional toma forma, com Rinko como a mãe amorosa que Tomo nunca teve. 


O tricô age como uma metáfora de ligação, confortável e agradável, que une os protagonistas. Ainda que também sirva para expurgar a raiva em momentos de tensão. O flashback de Rinko recebendo todo o apoio de sua mãe quando criança, ganhando seios de espuma, é simplesmente memorável.


Com uma franqueza silenciosa, o filme explora identidade de gênero e alternativas familiares com muita delicadeza. O roteiro de Ogigama mostra um retrato de família cheio de nuances e equilibradamente iluminado, com compaixão e conflito.


segunda-feira, 17 de maio de 2021

El Baile de los 41(México/Brasil, 2020)

Em 1901, um escândalo abalou o México. Quarenta e duas figuras influentes da elite foram reprimidas pela autoridade policial em uma festa homoerótica, onde faziam números burlescos e se vestiam de mulher, entre eles estava o genro do Presidente Porfirio Diaz(Fernando Becerril). É nesse contexto, conservador e histórico, que o longa de David Pablos acontece.

Conhecemos Ignacio de la Torre, interpretado por Alfonso Herrera de Sense 8 e da novela teen Rebelde, um jovem político que aspirando um cargo ainda maior se casa com Amada Díaz(Mabel Cadena), a filha do presidente. Porém, quando se torna deputado, surge uma paixão avassaladora pelo advogado Evaristo(Emiliano Zurita).


Sem satisfazer Amada na cama, Ignacio passa as noites reunido no clube, onde introduz Evaristo: “Soy maricón” diz ele, com orgulho, para que possa ser aceito. Há um contraste berrante entre as apáticas, e até sofridas, cenas de sexo com Amada, e as orgias dionisíacas acontecidas entre os homens.


Vemos que a linha dos olhos entre Evaristo e Ignácio é sustentada pelo amor e pela sensação de liberdade, enquanto a de Amada e seu marido pelo ódio e repúdio. Às vezes são olhares fortes e outros sutis. Com o mesmo ritmo, um acontecimento histórico que chocou a sociedade da época retrata a moralidade dos personagens transformistas e homossexuais e questiona o poder discriminatório que ainda hoje se mantém.


Tecnicamente o filme é lindo, a fotografia, de Carolina Costa, recria cenários opulentes e suntuosos de um México próspero e antiquado. A cinematografista combina espaços escuros com as salas clássicas explodindo de luz os personagens enlouquecidos. Todo segredo é escuro e toda liberdade é luz. 


Louváveis também são as cenas homoeróticas, mostrando que há muita delicadeza no sexo masculino, além de todo o aspecto teatral, burlesco e até mesmo lúdico, das reuniões com danças e cantos homossexuais que transmitem, naquele momento, uma sensação catártica de independência.


Das lágrimas de Alfonso Herrera surge uma cena intensa dele se maquiando e se preparando para o fatídico baile. Da mesma forma, há uma linguagem interessante nas longas abordagens às ações de Ignacio de la Torre para ascender em sua carreira política, especialmente, cada vez que seu companheiro de cena é Pofirio Diaz. Sua homossexualidade, no entanto, o impedirá de grandes pretensões.


Imponente, El Baile de los 41, é a soma de diversos fatores que deram certo. Contextualizar um fato histórico e relacionar com a repressão que até hoje é sofrida é uma analogia muito inteligente feita pelo roteiro brilhante, de Monika Revilla, que constrói uma dinâmica reflexiva e uma necessidade absurda de aplaudir essa pérola do cinema mexicano ao final.