O curta acompanha Rodrigo Usher(Bruno Germano), vindo de uma família de sinistros psicopatas, e que fez sucesso como ator mirim nos anos 80, atuando na série As Aventuras de Tobias. Porém, após um surto psicótico, o personagem é obrigado a se retirar. “Mas para além de adaptar somente o Usher, também incorporei elementos de outros contos do Poe - O Retrato Oval, A Máscara da Morte Vermelha, Ligeia, e um conto que eu adoro que acredito ainda não tenha sido adaptado para o cinema, Senhora Zenobia, que aparece no filme como um monólogo da Tuna Dwek”, completa Matheus.
Entrelaçado a história de Rodrigo está Vicente (Natan Cardoso), um fã que investiga a sua história enquanto é pintado pelo protagonista, numa invocação à São Sebastião. Tais momentos são mostrados com uma câmera de mão, o que contrasta com a belíssima e apurada direção de fotografia, de João Paulo Belentani. “O meu gótico é mais católico - consequentemente, o homoerotismo é mais escancarado, e São Sebastião é talvez o ápice do homoerotismo na iconografia católica (junto de Cristo, claro). É uma imagem que também encapsula, de certa forma, a justaposição de violência e tesão que permeia cada verso de Poe, é uma síntese dessa necrofilia ardente tão característica do seu trabalho.”, acrescenta Matheus.
A cinematografia é um grande destaque de O Solar dos Prazeres Noturnos, cada quadro tem algo a dizer, desde sua iluminação neon, que remetem ao giallo, à planos e movimentos elaborados que colocam os personagens num cenário atmosférico, gótico e sombrio. "Minha principal diretriz era, na verdade, tentar usar as versões anteriores da Casa de Usher como referência do que não fazer. Não no sentido de desgostar das adaptações anteriores, pelo contrário, mas a ideia era repensar essas mesmas passagens do livro de formas que eu não tinha visto antes, ou pelo menos, ao máximo que eu pudesse“, afirma o cineasta.
Assim o filme vai acontecendo em meio a delírios que são acompanhados por uma trilha pontual de Bach, Tchaikovsky e Prokofiev. O horror gráfico, assim como o homoerotismo, está presente, mas eles não surgem o tempo todo e nem gratuitamente, são usados ponderadamente para aumentar a sensação imaginária do filme. “É puro delírio. É sonho febril. É medo e desejo se entrelaçando, se devorando. Pulsões de sexo e de morte, algo que nesse caso se manifesta em imagens homoeróticas. Acho que o Solar é mais um convite à loucura do que qualquer coisa, e a loucura nada mais é do que artifício - como uma tela pintada, um vídeo caseiro, uma dança entre fantasmas.”, define o diretor.
As figuras femininas também são algo importante. Elas são mães. São Bruxas. São Vampiras. São almas. São feiticeiras. Tuna Dwek faz um trabalho fenomenal, especialmente em uma cena em que recita calorosamente um monólogo inspirado em Senhora Zenobia. “As figuras femininas são o epicentro do horror gótico. São elas as assombradas e também as assombrações. Madalena Usher é ainda o pilar da narrativa. Tudo acontece por causa dela. E quis ampliar ainda mais a presença feminina com um personagem que não existia no conto, a "Lady Usher", interpretado por Tuna Dwek. A figura matriarcal que está sempre lá, puxando os pauzinhos. Ela se torna uma manifestação física da casa - casa essa que é mãe dos irmãos Rodrigo e Madalena, amamentando os filhos com o sangue daqueles que morrem para alimentar a casa”.
Mas além de seu terror gótico e atmosférico, capitaneado pela bela locação, um outro personagem, O Solar dos Prazeres Noturnos também passeia por temas importantes, como saúde mental, luto e traumas, e Marchetti faz isso, em menos de 30min, com sucesso. “Eu acho que saúde mental e luto são temas que aparecem com destaque no conto e no filme. Acho que o horror contemporâneo tenta "dar um significado maior" ao gênero colocando temas como esses em primeiro plano, mas acho que a graça do gênero é algo muito mais amplo, mais ambíguo, irracional e inominável", reflete Marchetti.
Com suas máscaras, sangue, loucura, obscenidades e interlúdios de dança, o curta também lança reflexões, não só por suas belas cenas, como na força das atuações e como elas elevam o texto. Há cenas memoráveis, que se tornam uma experiência, nesse universo onírico criado por Matheus Marchetti, mesmo que evoque seus mestres como Mario Bava, Jean Rollin e Jesús Franco.