“Anoche Conquisté Tebas” é uma experiência de suspensão do tempo. Dirigido por Gabriel Azorín, o filme, uma coprodução ibérica, mistura drama, fantasia e cinema contemplativo experimental para transformar antigas termas romanas em um limbo sensorial, onde o passado e o presente se tocam com uma delicadeza fantasmática.
Em torno dessas termas, entre Portugal e Espanha, dois grupos de jovens se encontram separados por dois milênios: António e Jota, adolescentes portugueses que retornam de uma espécie de “frente de batalha”, e os soldados romanos Aurelio e Pompeyo, construtores daquele espaço. À medida que o vapor da água se adensa, o tempo se dissolve e as fronteiras entre eras, corpos e afetos deixam de existir. O que resta é o medo, universal, de perder o amigo mais íntimo, aquele em quem repousa a identidade de quem somos.
A fotografia de Giuseppe Truppi, premiada em Veneza, confere ao filme uma densidade que se sente. Os corpos emergem das sombras como estátuas vivas, entre vapores e reflexos que evocam tanto o barroco quanto o impressionismo. Azorín trabalha o silêncio e o gesto com precisão, permitindo que o olhar, o tremor, o toque hesitante substituam as palavras. Essa ênfase no corpo como linguagem aproxima o diretor de João Pedro Rodrigues, sobretudo do erotismo ritualístico de “O Ornitólogo” e da forma como o português trata o desejo masculino como epifania espiritual
Mas o que há em “Anoche Conquisté Tebas” também dialoga com o cinema contemplativo de  Alain Guiraudie, especialmente de “O Estranho do Lago”: o espaço natural como santuário queer, a contemplação do corpo masculino sem culpa, e a tensão entre desejo, amizade e morte. Assim como Guiraudie, Azorín recusa a categorização do homoerotismo em moldes narrativos previsíveis, o que interessa é o desejo enquanto revelação de vulnerabilidade, não enquanto identidade fixa.
O aspecto queer do filme emerge desse mesmo gesto: retratar a intimidade masculina sem sexualizá-la. Ao mostrar homens nus ou seminus, conversando sobre o medo da perda e o peso da separação, o filme desarma a masculinidade rígida e cria espaço para a ternura. Essa ternura é revolucionária e é nela que “Anoche Conquisté Tebas” encontra sua dimensão política, seu ato de resistência poética contra séculos de silêncio emocional masculino.
“Anoche Conquisté Tebas” é menos um filme e mais um ritual, um retrato líquido onde o espectador vê o corpo dissolver-se no tempo. Em sua delicadeza contemplativa e em seu homoerotismo contido, Azorín se inscreve numa linhagem espiritual de cineastas queer europeus que buscam, não representar o amor, mas encarná-lo. É cinema de silêncio, de toque e de ausência e, como toda boa conquista, acontece à noite.
 
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