segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Ramón y Ramón (Espanha/Peru/Uruguai, 2024)

Em “Ramón y Ramón”, Salvador del Solar constrói um drama sensível sobre reconciliação, afetos masculinos e a solidão que marcou o confinamento global. O filme, uma coprodução entre Peru, Espanha e Uruguai, parte de uma premissa simples, dois homens isolados num mesmo prédio durante a pandemia, para alcançar uma jornada emocional que transcende o isolamento físico e se transforma em uma busca espiritual. Ramón (Emanuel Soriano), um jovem peruano gay que acaba de perder o pai, conhece Mateo (Álvaro Cervantes), um espanhol retido em Lima. Entre silêncios, conversas noturnas e pequenos gestos de cuidado, nasce uma conexão que desafia fronteiras, culturais e emocionais.

Del Solar, conhecido por seu olhar político e humano, faz aqui seu filme mais íntimo. “Ramón y Ramón” fala de luto e de amor com uma delicadeza que lembra o cinema de Cesc Gay e Andrew Haigh, mas com uma assinatura latino-americana, impregnada de dor histórica e afeto contido. O confinamento, longe de ser apenas pano de fundo, funciona como metáfora da imobilidade emocional: Ramón vive preso ao passado, à homofobia do pai, à culpa por não ter se despedido. Mateo, por sua vez, enfrenta o vazio de uma vida suspensa, com sua masculinidade em crise e uma vulnerabilidade que o aproxima de Ramón de modo inesperado.


A viagem para Huancayo, onde Ramón pretende espalhar as cinzas do pai, marca a transição entre o confinamento e a liberdade, tanto física quanto simbólica. É nesse percurso, entre a poeira das estradas e a vastidão dos Andes, que o filme atinge sua plenitude. A paisagem peruana, filmada com naturalismo e reverência, torna-se personagem e espelho das transformações internas dos protagonistas. A huaconada, ritual tradicional de Junín, surge como ponto de catarse: um gesto de perdão ancestral que conecta o pessoal ao coletivo, o luto individual à herança cultural.


A relação entre Ramón e Mateo evita o estereótipo da amizade viril que nega o afeto. Há ternura, ambiguidade e desejo contido, não porque o filme se envergonhe de seu componente queer, mas porque o entende como algo natural, não performativo. O roteiro, coassinado por del Solar e Claudia Llosa, trata a sexualidade de Ramón com respeito e sobriedade, mostrando como o preconceito, mesmo vindo de dentro da família, pode moldar a forma como alguém ama e se permite ser amado. O contraste entre o Ramón que pede desculpas ao fantasma do pai e o que sorri ao lado de Mateo é o arco emocional mais bonito da obra.


Visualmente, “Ramón y Ramón” é impecável. A fotografia alterna interiores opressivos, marcados pela luz fria do confinamento, com exteriores amplos, onde o horizonte andino simboliza cura e renascimento. Há ecos do realismo poético e da contemplação de João Pedro Rodrigues e Alain Guiraudie, em como o filme olha para corpos masculinos com desejo e compaixão, sem precisar sexualizá-los. A trilha sonora discreta reforça a atmosfera de suspensão, como se o tempo tivesse parado para que os personagens pudessem se reconciliar com o que perderam.


Produzido pela El Deseo, dos irmãos Almodóvar, mais do que um drama sobre pandemia, “Ramón y Ramón” é um filme sobre presença, sobre estar com o outro quando o mundo parece ausente. Del Solar entrega uma narrativa de empatia e aprendizado, um lembrete de que o amor, em suas múltiplas formas, continua sendo o antídoto mais poderoso contra o isolamento e a culpa. Um filme pequeno em gestos, mas imenso em humanidade.

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