domingo, 26 de outubro de 2025

O Beijo da Mulher Aranha (Kiss of Spider Woman, EUA, 2025)

Em “Kiss of the Spider Woman”, Bill Condon revisita um clássico da literatura e do cinema com o brilho e a melancolia de um musical em Technicolor. Baseado na peça de Kander e Ebb e no romance de Manuel Puig, o filme transita entre o cárcere e o sonho, entre a Argentina opressiva de 1983 e o delírio colorido da fantasia cinematográfica. Condon, que já havia explorado a relação entre espetáculo e identidade em “Dreamgirls” e “Chicago”, constrói aqui uma obra sobre o poder transformador da imaginação queer em meio à repressão política e moral.

A trama se desenrola na cela úmida de uma prisão, onde dois homens compartilham não apenas o espaço, mas também visões de mundo conflitantes. Luis Molina, interpretado com doçura e vulnerabilidade por Tonatiuh, é um decorador de vitrines condenado por indecência. Ele encontra em Valentín Arregui, o militante vivido por Diego Luna, um contraponto de dureza e ideologia. Para escapar da brutalidade da prisão, Molina narra sua versão de um musical estrelado pela diva Ingrid Luna, vivida por Jennifer Lopez, cuja Mulher-Aranha é tanto um símbolo de desejo quanto de fatalidade.

O contraste entre a cela cinzenta e as cenas em Technicolor é o coração estético e político do filme. A fantasia de Molina não é fuga, mas resistência. Cada coreografia e figurino cintilante é um ato de sobrevivência. Condon homenageia os musicais clássicos de Hollywood, de “Gentlemen Prefer Blondes” a “The Band Wagon”, usando o artifício para falar da verdade.


Há uma ternura moderna na forma como o filme retrata a relação entre Molina e Valentín. Diferente da versão de Héctor Babenco, em que o amor era atravessado por tensão e ambiguidade moral, Condon filma o afeto como aprendizado e entrega mútua. O desejo não é punição, mas cura. Valentín, o revolucionário endurecido, descobre na sensibilidade de Molina uma forma de resistência emocional, enquanto Molina encontra na honestidade política de Valentín um motivo para acreditar em algo além da fantasia.

Se o filme de Babenco é um monumento do drama de câmara sobre o trauma e a humanidade sob a opressão política, o filme de Condon é uma celebração do musical queer como resistência estética. Onde o primeiro mergulhava na clausura e no silêncio, o segundo explode em cor, ritmo e fantasia, transformando a cela em palco. Babenco pedia que víssemos a humanidade por trás da figura queer marginalizada, Condon, ao contrário, faz da própria performatividade um grito de liberdade.

“Kiss of the Spider Woman” é, portanto, mais que uma releitura, é uma reencarnação. Condon entende que o poder queer está na teatralidade, na reinvenção, no gesto que transforma o horror em espetáculo. Ao dar voz e corpo a Molina, Tonatiuh faz da fantasia uma forma de política e de poesia. E quando Jennifer Lopez surge, toda envolta em lantejoulas e mistério, ela não é apenas a Mulher-Aranha dos sonhos, mas o próprio cinema encarnado, aquele que seduz, aprisiona e também liberta.


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