sexta-feira, 24 de outubro de 2025

En El Camino (México, 2025)

“En el Camino”, de David Pablos, diretor de "El Baile de los 41" (2020), é um road movie sombrio e ardente que transforma a estrada mexicana em palco de desejo, violência e sobrevivência. A história segue Veneno (Sebastián Haro), garoto de programa em fuga, que cruza o país ao lado de Muñeco (Luis Gerardo Méndez), homem que o cafetina e carrega em si o peso da culpa e a fome do prazer. A jornada dos dois mistura o real e o mítico, o suor e o símbolo, compondo uma narrativa que ecoa o erotismo e a solidão de “Baby”, de Marcelo Caetano, mas com o pó do deserto no lugar das luzes de São Paulo.

Se “Baby” era um retrato íntimo e urbano, “En el Camino” é seu avesso sujo e flamboyant. Aqui, a prostituição masculina se torna paisagem e linguagem: uma forma de existir à beira do abismo. Os personagens transitam entre a ternura e o instinto, entre a performance e a entrega, sempre em busca de algo que talvez nem saibam nomear. O filme é sobre corpos que vendem prazer e compram tempo, mas também sobre homens que desejam ser vistos, nem que seja por um instante, sob o néon falso de um motel de beira de estrada.

A direção de Pablos aposta em uma mise-en-scène de excessos e contrastes. A fotografia de Ximena Amann é hipnótica, combinando a luz do neon com o vermelho do sangue e o suor da pele e aridez da estrada. Cada enquadramento parece pensado como uma pintura erótica e o filme tem plena consciência disso. Há uma cena simbólica, um boquete em uma arma, gesto tão literal quanto metafórico, que sintetiza o erotismo e a violência como pulsões irmãs.

O homoerotismo é onipresente e nunca tímido. Entre banhos compartilhados, músculos em tensão e brincadeiras na piscina, “En el Camino” cria uma coreografia de corpos em exibição e exaustão. O sexo é cru, explícito, e ainda assim, de uma beleza plástica impressionante. Não há vergonha, apenas o choque entre desejo e desespero, prazer e autopunição. É um cinema de carne viva, mas também de artifício assumido, como se Pablos quisesse provar que o delírio pode ser uma forma de verdade.

O filme explora dinâmicas de poder, desejo e sobrevivência em ambientes hipermasculinos, tematizando a sexualidade queer de forma aberta. A conexão íntima entre Veneno e Muñeco é central à trama, eles se apaixonam e se prejudicam, numa alternância de afeto, rivalidade e cumplicidade. A atmosfera mistura o realismo social, o suspense de estrada e referências literárias a Jack Kerouac, em uma jornada que confronta traumas, vícios e a própria ideia de lar temporário.

Produzido por Diego Luna, “En el Camino” é um triunfo do cinema queer latino-americano. Provocante, explícito e visualmente deslumbrante, o filme ergue um monumento à marginalidade e à beleza. Sua vitória no Queer Lion é mais do que justa: é o reconhecimento de uma obra que transforma o desejo em linguagem e a estrada em rito de sobrevivência. ¡Viva México, cabrones!

Um comentário: