Por Bruno Weber Durante a sua longa parceria, os roteiristas e diretores Filipe Matzembacher e Marcio Reolon criaram histórias que, invariavelmente, giravam em torno de dois atos: o de performar e o de buscar. São tramas sobre artistas de vários formatos, pessoas que se acostumaram a desempenhar algum papel ou manter alguma ilusão, seja uma camada de tinta neon sobre a pele ou a aparência de heterossexualidade. E há quase sempre uma busca que move a trama, como o documento perdido em “Beira-Mar" ou o camboy rival do protagonista de “Tinta Bruta". Na verdade, nada disso é especialmente particular no cinema da dupla. O conflito entre mascarar e procurar uma verdade é o que move a maioria das tramas. Mas o que coloca os dois como expoentes do novo cinema queer brasileiro é a escolha de ilustrar esse conflito como tensão erótica, como se o próprio ato sexual entre dois homens fosse um jogo de verdades e mentiras, e que por isso mesmo é tão excitante.
Em seu mais novo filme, “Ato Noturno”, os diretores voltam a explorar esses temas, agora adotando uma linguagem de filme noir, o que apenas aprimora a dramaticidade das cenas de sexo. É a história de Matias (Gabriel Faryas), um ator em início de carreira que começou a trabalhar num grupo teatral famoso em Porto Alegre. Ele divide um apartamento com seu colega Fábio (Henrique Barreira), mesmo que a relação dos dois seja marcada por brigas e desavenças sobre a nova peça da trupe. Esse atrito apenas aumenta quando Fábio começa a ser sondado para o papel principal numa nova série que será gravada na cidade, enquanto Matias ressente não ter as mesmas oportunidades. Mas isso começa a mudar após uma noite, quando Matias tem uma transa casual com Rafael (Cirillo Luna), que ele conheceu num aplicativo de encontros. Matias acreditava que a necessidade de discrição de Rafael era por talvez ele ser casado, mas logo ele descobre o verdadeiro motivo: ele é vereador da cidade, e está iniciando uma campanha para eleição de prefeito. E quando a relação casual dos dois começa a se tornar mais séria, Matias descobre que de repente novas oportunidades surgem para ele. Porém, o aparente conforto do caso secreto dos dois é ameaçado, por um lado pela inveja de Fábio, mas principalmente quando Matias e Rafael começam a explorar juntos o fetiche de sexo em lugares públicos, o que os coloca em rota de conflito com Camilo (Ivo Müller), chefe da equipe de segurança de Rafael.
A atmosfera de teatro não se limita ao ambiente da peça de Matias e Fábio, se estendendo para todos os cenários, da sede de campanha de Rafael até a praça onde encontros sexuais noturnos acontecem entre as árvores. O filme se compromete com o caráter dramático de um thriller noir, com closes fechando rapidamente nos rostos dos personagens, uma trilha sonora angustiante e iluminação teatral criando sombras misteriosas. A primeira transa de Matias é Rafael, por exemplo, é filmada com a sensibilidade e importância de duas obras de arte se encontrando. Suas formas masculinas idealizadas pela câmera e pelas cores vivas do cenário. Uma luz amarelada surgindo de uma fresta na janela brilha sobre eles de repente, quase como um holofote sobre um palco, mas ainda oferecendo o risco de ser uma pessoa se aproximando, prestes a pegá-los no flagra.
Na verdade, a descoberta que Matias e Rafael fazem juntos desse fetiche de sexo em lugares públicos e mais do que um jogo sexual, e fala muito sobre como os dois lidam com suas ambições quando estão prestes a realizá-las. Matias realmente quer ser o ator principal da série, mesmo que isso implique uma "cláusula de comportamento" em seu contrato que praticamente o obriga a esconder sua sexualidade. Assim como Rafael realmente quer ser prefeito, mesmo que precise manter uma aparência conservadora e sua paixão por Matias escondida como um segredo sujo. É exatamente por arriscarem aquilo que mais desejam que ambos se sentem atraídos um pelo outro com tamanha voracidade. Em certo momento, perto do fim do filme, Rafael diz para Matias que eles podem conseguir tudo que desejam e ainda assim ser aceitos pela sociedade... um dia. Se os dois se comportarem bem, não chamarem atenção e fizerem exatamente o que precisam fazer. Ele está apenas recitando o mito do "bom gay", o homossexual respeitável com cara de bom moço, que não reclama de preconceito e nem aparenta ser "anormal". Uma autocensura perigosa, que leva a aberrações como gays e lésbicas rejeitando pessoas trans ou qualquer outra existência queer. Rafael diz isso, mas no fundo tanto ele quanto Matias sabem que não é verdade. É apenas mais um teatro, outra peça que eles estão cansados de montar. Dessa forma, quanto mais perigosas se tornam suas transas, mais elas começam a representar um ato de rebeldia. Isso tudo culmina num final em que sexo literalmente se opõe a violência, uma luta sensual entre os dois conceitos, num palco marcado por sangue, suor, sêmen e saliva.
 
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